POESIA AO AMANHECER – 240 – por Manuel Simões

poesiaamanhecer

ALEXANDRE O’NEILL

( 1924 – 1986 )

PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cega-rega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há «papo de anjo» que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para o meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado,

feira cabisbaixa,

meu remoroso,

meu remorso de todos nós…

(de “Feira Cabisbaixa”)

Aparece na poesia portuguesa com o rótulo do surrealismo, do qual a sua poética exibe algumas marcas: poesia como descoberta interior, como denúncia, pelo humor, com a preocupação do tempo e do espaço português, aproximando-se do neo-realismo. A sua poesia coincide, em vários pontos, com a de Tolentino, do Abade de Jazente ou até a de Cesário Verde. Obra poética: “Tempo de Fantasmas” (1951), “No Reino da Dinamarca” (1958), “Abandono Vigiado” (1960), “Poemas com endereço” (1962), “Feira Cabisbaixa” (1965), “De Ombro na Ombreira” (1969), “Entre a Cortina e a Vidraça” (1972), “A Saca de Orelhas” (1979).

 

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