ALEXANDRE O’NEILL
( 1924 – 1986 )
PORTUGAL
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cega-rega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo de anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remoroso,
meu remorso de todos nós…
(de “Feira Cabisbaixa”)
Aparece na poesia portuguesa com o rótulo do surrealismo, do qual a sua poética exibe algumas marcas: poesia como descoberta interior, como denúncia, pelo humor, com a preocupação do tempo e do espaço português, aproximando-se do neo-realismo. A sua poesia coincide, em vários pontos, com a de Tolentino, do Abade de Jazente ou até a de Cesário Verde. Obra poética: “Tempo de Fantasmas” (1951), “No Reino da Dinamarca” (1958), “Abandono Vigiado” (1960), “Poemas com endereço” (1962), “Feira Cabisbaixa” (1965), “De Ombro na Ombreira” (1969), “Entre a Cortina e a Vidraça” (1972), “A Saca de Orelhas” (1979).