PEREGRINAÇÃO – por Fernando Correia da Silva

Um Café na Internet
 

1614, finalmente a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto vem a lume. Esteve muito tempo encalhada entre o Paço e o Santo Ofício.

A última vez que falei com Fernão foi em Fevereiro de 1583, na quinta do Pragal, na margem esquerda do Tejo. Fernão veio a falecer em Julho do mesmo ano, súbito agravamento da sua doença. Finou-se cinco anos depois de D. Sebastião ter sumido em Alcácer Quibir e três anos depois de se ter finado o nosso próprio Portugal. Agora estamos sob a pata dos Filipes. O Primeiro ainda tentou respeitar a nossa forma de ser e estar, essa era também a opinião do Mendes Pinto, ele mo disse. Mas o Segundo já nos cinge, já nos aperta, pretende agora conformar-nos ao molde castelhano.

Releio os apontamentos que escrevi em Fevereiro de 1583. Deles ressalta aquele meu temor que o tempo revelou ser fundamentado. Fernão começou a escrever as suas memórias em 1569 e deu o livro por concluído em 1578. Mas entre a morte do autor e a edição da sua obra, decorreram 30 anos e 5 já tinham decorrido entre a conclusão do texto e o passamento do escritor. Sei que em 1603, depois de vasculhada pelos padres jesuítas, houve licença para a edição da obra. Licença dada talvez pelos mesmos padres que o interrogaram sobre S. Francisco Xavier. Mas nem assim foi editada. E bem expurgado foi, pois nela não consta sequer a passagem de Fernão pela Companhia de Jesus, em Goa…

Houve licença em 1603 mas só foi editada em 1614. Porquê? – pergunto-me. Pressuponho que Francisco de Andrade, cronista-mor do ainda chamado Reino de Portugal, tenha demorado mais 10 anos a tomar o peso de cada uma das suas palavras e a castrar os seus passos mais rudes para não ferir as susceptibilidades de el-rei D. Filipe II e dos novos inquisidores do Santo Ofício.

Folheio a Peregrinação e relembro a última conversa que tive com Mendes Pinto. Esta continua a ser obra viril, apesar das muitas e variadas tentativas de emasculá-la.

Saudades tenho daquele mercador-pirata que um dia surgiu frente a Lisboa para depois ir lançar ferro numa quinta do Pragal…


Leave a Reply