A minha indignação por António Gomes Marques

A minha indignação

por António Gomes Marques

 

Quase instintivamente, sentei-me em frente do computador e reagi às palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, hesitando depois se deveria ou não tornar pública essa minha reacção, o que acabei por fazer na minha página do «facebook».

Um amigo e companheiro no blogue, disse-me que eu deveria pôr o texto em «aviagemdosargonautas.net», o que faço agora, depois de muito hesitar, por considerar que temos muitas reacções onde predomina a emoção e muito pouco conhecimento histórico. Claro, muito deste desconhecimento é propositado, sobretudo por parte dos apoiantes incondicionais de Israel, muitos mesmo sabendo que estão a apoiar os sionistas e não o povo judeu, havendo até quem invoque a Bíblia como justificação para os judeus ocuparem toda a Palestina. Entre os que se dizem apoiantes do Povo Palestino (ou Palestiniano, sendo indiferente usar uma ou outra designação), também há quem use da emoção e de pouco conhecimento histórico.

Que fique claro que não me atribuo o título de profundo conhecedor da História da Palestina, embora tenha dedicado muitas horas ao seu estudo de modo a tentar compreender o drama que ali se vem vivendo pelo menos desde os actos terroristas dos sionistas, anteriores à fundação do estado de Israel.

Marcelo Rebelo de Sousa conhece a história, o que torna ainda mais graves as palavras que dirigiu ao representante do Povo Palestino em Portugal.

Os meios de comunicação procuraram também arrastar as pessoas para o apoio incondicional a Israel, a quem tudo é concedido, a começar pelos conceitos diferentes aplicados aos mesmos actos, que leva a que a uns, os outros (ou seja, os que não seguem o pensamento único ocidental, «made» in USA»), sejam atribuídos actos criminosos ou actos terroristas e aos «bons», os que seguem aquele pensamento único, por actos idênticos praticados, sejam apresentados como direitos de justa defesa, por mais agressivos e desproporcionais que sejam. Mas estes meios de comunicação esqueceram o velho ditado de que «mais vale uma imagem do que mil palavras», e as imagens que têm passado nas televisões são claramente demonstrativas do crime, que não terei pejo em chamar de genocídio (1), que está a ser praticado sobre um povo inocente, o Povo Palestino. As reacções a estes actos bárbaros de Israel, como bárbaro foi o acto terrorista do Hamas em 7 de Outubro, começam a mudar a opinião mundial para o lado do Povo Palestino.

Atente-se em algumas posições que considero imparciais:

«O historiador israelita Benny Morris no seu livro “The Arab-Israeli war” em 1948 escreve: “é evidente que os acontecimentos de 1948 na Palestina foram uma limpeza étnica executada pelos judeus nas zonas árabes”. Os métodos terroristas, de inspiração nazi e fascista, levados a cabo pelo Irgun (“Organização Militar Nacional na Terra de Israel”), liderado por Menachem Begin, também foram denunciados no mesmo ano por diversos intelectuais judeus, entre os quais Albert Einstein e Hannah Arendt, numa carta aberta publicada pelo jornal The New York Times no dia 4 de dezembro do mesmo ano.

A IJAN – International Jewish Anti-Zionist Network, no seu manifesto de janeiro de 2009, denuncia a ocupação israelita das terras palestinianas, e reafirma o seu trabalho para “desmontar o apartheid israelita, permitir o regresso dos refugiados palestinianos e o fim da colonização israelita da Palestina“. No mesmo sentido a Amnesty International tem vindo a lançar vários apelos contra o apartheid (segregação racial) exercido sobre o povo palestiniano nas áreas controladas por Israel.» (2)

Passo agora a outra citação, retirada de uma das obras de Rashid Khalidi, o Professor que ocupa a posição desse grande humanista que foi Edward W. Said, leccionando Estudos Árabes na Universidade de Columbia:

“Em 1917, Arthur James Balfour afirmou que, na Palestina, o governo britânico não se propunha «sequer a passar pela formalidade de consultar os desejos dos atuais habitantes do território». As grandes potências estavam comprometidas com o sionismo, prosseguiu, «e o sionismo, esteja certo ou errado, seja bom ou mau, baseia-se em tradições ancestrais, em necessidades presentes e em esperanças futuras cuja importância é muito mais profunda do que os desejos e preconceitos dos 700 000 árabes que hoje habitam nessa terra antiga» Cem anos depois, o presidente Donald Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, dizendo: «Tirámos Jerusalém de cima da mesa, por isso não temos de falar mais sobre ela.» Trump disse a Benjamin Netanyahu: «Venceram num ponto, e abdicarão de alguns numa negociação posterior, caso esta venha a acontecer. Não sei se alguma vez acontecerá.» O centro histórico, identitário, cultural e religioso dos palestinianos foi, pois, despachado sumariamente sem que houvesse qualquer pretensão de consultar sequer os seus desejos.» (3)

Após esta introdução, transcrevo o texto que publiquei no «facebook»:

“As palavras de Marcelo Rebelo de Sousa dirigidas ao representante da Palestina em Portugal são uma vergonha.

Nunca votei em Marcelo Rebelo de Sousa e não considero que me represente. Não fazer a distinção entre o Hamas e o Povo Palestino é uma vergonha, é indigno de um Presidente da República, mesmo que seja de uma «república das bananas» em que parece que Portugal se está a transformar.

O Hamas é um grupo terrorista e cometeu atrocidades que devem ser condenadas com toda a força, mas as suas acções resultam sempre em benefício de Israel (não dos judeus, nomeadamente dos judeus israelitas, mas dos sionistas e dos extremistas religiosos), que aproveita os seus actos para cometer as maiores atrocidades sobre os Palestinos, verdadeiros actos terroristas, que vem desenvolvendo desde 1948, com o objectivo de transformar os 20% do território que foi cedido na Palestina (os Palestinos não foram ouvidos, note-se!) em 100% de ocupação, expulsando barbaramente, como está neste momento a acontecer, os Palestinos das suas terras e das suas casas. Marcelo Rebelo de Sousa, ao dizer o que disse, colocou-se ao lado deste Israel dos sionistas e dos religiosos extremistas israelitas.

Lamento profundamente, é Portugal que sai envergonhado por alguém que não parece digno do cargo que desempenha.”

Portela (de Sacavém), 2023-11-06

NOTAS

  1. Definição consultada na «internet»: Genocídio é a eliminação sistemática e intencional de um grupo por meios activos (aplicação de forças que resultem na morte) ou passivos (negligência e negativa de prestação de assistência). Em geral, os grupos vítimas de genocídios apresentam indivíduos com ligações étnico-raciais, de nacionalidade e religiosas;
  2. in: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sionismo;
  3. in Rashid Khalidi, PALESTINA UMA BIOGRAFIA – Cem anos de guerra e resistência, edição de Ideias de Ler – Divisão Editorial Literária (marca da Porto Editora), Porto, Maio de 2022, tradução de Carla Ribeiro, pág. 299.

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