Ana Paula Ribeiro Tavares nasceu no Lubango, Huíla, no Sul de Angola. Mestre em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem ocupado vários cargos oficiais, nomeadamente o de responsável pelo Gabinete de Investigação do Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica, em Luanda. Publicou três livros de poemas: Ritos de Passagem, Luanda, 1985, O Lago da Lua, Lisboa, 1999; Dizes-me coisas amargas como os frutos, Lisboa, 2001. É por muitos considerada a principal poetisa angolana do período pós-independência. Apresentamos dois poemas da colectânea Dizes-me coisas amargas como os frutos.
A MÃE E A IRMÃ
A mãe não trouxe a irmã pela mão
viajou toda a noite sobre os seus próprios passos
toda a noite, esta noite, muitas noites
A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado
a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das espigas
[vermelhas
A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites
[todas as noites
com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste
e só trazia a lua em fase pequena por companhia
e as vozes altas dos mabecos.
A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção
no pano mal amarrado
nas mãos abertas de dor
estava escrito:
meu filho, meu filho único
não toma banho no rio
meu filho único foi sem bois
para as pastagens do céu
que são vastas
mas onde não cresce o capim.
A mãe sentou-se
fez um fogo novo com os paus antigos
preparou uma nova boneca de casamento.
Nem era trabalho dela
mas a mãe não descurou o fogo
enrolou também um fumo comprido para o cachimbo.
As tias do lado do leão choraram duas vezes
e os homens do lado do boi
afiaram as lanças.
A mãe preparou as palavras devagarinho
mas o que saiu da sua boca
não tinha sentido.
A mãe olhou as entranhas com tristeza
espremeu os seios murchos
ficou calada
no meio do dia.
O CERCADO
De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
feito pelas tuas mãos
e fios do teu cabelo
cortado na lua cheia
guardado do cacimbo
no cesto trançado das coisas da avó
Onde está a panela do provérbio, mãe
a das três pernas
e asa partida
que me deste antes das chuvas grandes
no dia do noivado
De que cor era a minha voz, mãe
quando anunciava a manhã junto à cascata
e descia devagarinho pelos dias
Onde está o tempo prometido p’ra viver, mãe
se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
p’ra lá do cercado