A MITOLOGIA DA SAUDADE NA OBRA DE EDUARDO LOURENÇO
Em Mitologia da saudade, Eduardo Lourenço recorda que Portugal foi o único país que colocou no centro da sua bandeira a esfera armilar, a representação do Universo, e que não se trata se um símbolo de natureza cosmológica, consagrando o papel de Portugal como descobridor de novas terras e novos céus. Tem um alcance de uma natureza mais profunda. E explica o papel da saudade na consolidação da identidade nacional. Ou melhor, da hiperidentidade nacional.
O tema da saudade é omnipresente na obra de Eduardo Lourenço -: O labirinto da saudade (psicanálise mítica do destino português), 1978; Nós e a Europa ou as duas razões, de 1988; e Mitologia da saudade, de 1999. Nós e a Europa, veicula o conceito de hiperidentidade. Salienta-se nestes seus livros um forte sentido de identidade nacional que os portugueses mantiveram mesmo enquanto o trono era ocupado por reis estrangeiros. A mitologia em torno do retorno de D. Sebastião, dando azo aos falsos reis que foram aparecendo, foi um dos pilares da resistência que se fez à aculturação castelhana.
Eduardo Lourenço destaca o papel da literatura que, exaltando as glórias das navegações, mantiveram acesa a chama do patriotismo «Portugal não espera o Messias, o Messias é o próprio passado, convertido na mais consistente e obsessiva referência do seu presente, podendo substituir-se-lhe nos momentos de maior dúvida sobre si ou constituindo até o horizonte mítico do seu futuro», diz em O labirinto da saudade. Os países que foram grandes potências, sofrem, segundo Eduardo Lourenço de uma crise de identidade. Em Portugal, pelo contrário, o imaginário colectivo é dominado pela hiperidentidade. hiperidentidade: «O nosso problema, como escrevi noutra ocasião, não é problema de identidade, (…) mas de hiperidentidade, de quase mórbida fixação na contemplação e no gozo da diferença que nos caracteriza ou nós imaginamos tal contexto dos outros povos, nações e culturas.».
Continuamos amanhã esta homenagem a Eduardo Lourenço.