LUÍS DE CAMÕES
(1525? – 1580?)
ENDECHAS A BÁRBARA ESCRAVA
Aquela cativa
que me tem cativo
(porque nela vivo)
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos
que pera meus olhos
fosse mais fermosa.
Nem no campo flores
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores:
rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.
Uma graça viva
que neles lhe mora
pera ser senhora
de quem é cativa;
pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.
Pretidão de Amor
tão doce a figura
que a neve lhe jura
que trocara a cor;
leda mansidão
que o siso acompanha
(bem parece estranha,
mas bárbara não!).
Presença serena
qu’a tormenta amansa.
Nela enfim descansa
toda minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo,
e pois nela vivo,
é força que viva.
Segundo a didascália que acompanha este texto na edição de 1595, «as endechas a Bárbara escrava foram ditadas ao poeta pelo amor por uma ecrava de nome Bárbara conhecida na Índia». O poema adquire uma segura originalidade na literatura portuguesa porque aqui se canta um tipo de beleza feminina (pretos os olhos, os cabelos e a pele) oposto ao cânone trovadoresco; e revela um gosto pelo exotismo que aparece noutros lugares textuais de Camões. O texto, como se sabe, foi cantado por José Afonso.