POESIA AO AMANHECER – 144 – por Manuel Simões

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LUÍS DE CAMÕES

(1525?  – 1580?)

ENDECHAS A BÁRBARA ESCRAVA

Aquela cativa

que me tem cativo

(porque nela vivo)

já não quer que viva.

Eu nunca vi rosa

em suaves molhos

que pera meus olhos

fosse mais fermosa.

 

Nem no campo flores

nem no céu estrelas

me parecem belas

como os meus amores:

rosto singular,

olhos sossegados,

pretos e cansados,

mas não de matar.

 

Uma graça viva

que neles lhe mora

pera ser senhora

de quem é cativa;

pretos os cabelos,

onde o povo vão

perde opinião

que os louros são belos.

 

Pretidão de Amor

tão doce a figura

que a neve lhe jura

que trocara a cor;

leda mansidão

que o siso acompanha

(bem parece estranha,

mas bárbara não!).

 

Presença serena

qu’a tormenta amansa.

Nela enfim descansa

toda minha pena.

Esta é a cativa

que me tem cativo,

e pois nela vivo,

é força que viva.

Segundo a didascália que acompanha este texto na edição de 1595, «as endechas a Bárbara escrava foram ditadas ao poeta pelo amor por uma ecrava de nome Bárbara conhecida na Índia». O poema adquire uma segura originalidade na literatura portuguesa porque aqui se canta um tipo de beleza feminina (pretos os olhos, os cabelos e a pele) oposto ao cânone trovadoresco; e revela um gosto pelo exotismo que aparece noutros lugares textuais de Camões. O texto, como se sabe, foi cantado por José Afonso.

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