CHAMARAM-LHE PORTUGAL – 46 -por José Brandão

D. CARLOS – O DIPLOMATA

(reinou de 1889 a 1908)

O penúltimo rei de Portugal é o resultado do cruzamento de quase todas as casas reais europeias. Tem primos espalhados pela Europa fora.Imagem1

Em 1908 há dezanove anos que D. Carlos é rei de Portugal. Em 19 de Outubro de 1889, na velha cidadela de Cascais, assistira ao termo da penosa agonia de seu pai, D. Luís I, e fora sua mãe a rainha D. Maria Pia a primeira pessoa a prestar-lhe a homenagem.

– Abençoo-te, Carlos, para que sejas tão bom rei como foste bom filho – dissera, na mesma altura, ao cobrir-se com os véus de viuvez, a mãe do novo soberano.

Começou, aliás, da pior forma o reinado de D. Carlos.

Logo em Janeiro de 1890, a Inglaterra exigiu, em termos brutais, que Portugal renunciasse ao chamado «mapa cor-de-rosa», nome dado ao projecto de se aproveitarem as explorações portuguesas no interior do continente africano para se estabelecer a ligação entre Angola e Moçambique. O Governo cedeu e ordenou a retirada portuguesa de alguns territórios já ocupados.

O seu reinado poderá dividir-se em fases distintas, correspondentes a outros tantos aspectos da política interna e externa portuguesas.

Na fase, que decorre nos três anos que se seguem imediatamente à ascensão ao trono do novo monarca, pretende inaugurar um período de verdadeira regeneração nacional, que substitua a cansada demonstração partidária do governo de seu pai D. Luís. Ao cingir a coroa, em 1889, D. Carlos ouve exortações veementes para que exerça o poder pessoal que, na verdade, e mesmo no âmbito da Carta, competia aos soberanos constitucionais.

É António Enes, jornalista, escritor e homem de Estado, falando-lhe do que se esperava do jovem rei, e exortando-o a preparar-se para o governo «como para uma luta entrecortada de incertezas e aventuras em que o afrontarão mais adversidades do que o ajudarão os favores das circunstâncias e serviços dos homens, de dia para dia mais acanhados de estatura e mais falsos e egoístas de coração.» E que acentuava, como se pressentisse a tragédia final: — «Espera-se do reinado novo uma política nova que conserve o bom e corrija o mau da política velha: mas, por isso mesmo, o senhor D. Carlos há-de sentir a coroa de ouro cravar-lhe espinhos na fronte e o manto pesar-lhe nos ombros com todo o enorme peso da ventura e da honra de um país que tão pouco faz da sua parte para ser venturoso e conservar-se honrado.»

É também Oliveira Martins, aconselhando-o a corrigir o «indefinido sentimento de tédio e desconsolação que tem invadido muitos dos que melhores serviços podiam prestar ao seu país»

«Em tais circunstâncias, com tais elementos, como se pode ser Rei? De um modo só: reinando, isto é, governando.» E acrescentava, recordando a apóstrofe célebre de José Falcão, destacado adversário da realeza: – «Se a Monarquia nos pode salvar, faça-o: o nosso alvo é o País e não o sistema.»

Ser bom rei, porém, não seria tarefa muito fácil para aquele príncipe de 26 anos, a quem o pai deixou uma monarquia desacreditada, uma administração pública feita ao gosto dos interesses dos dois partidos que se revezavam alternadamente no Poder – o Progressista e o Regenerador – um défice de 83 400 contos e uma oposição republicana que principiara poucos anos antes, mas que progredia rapidamente.

Será precisamente com o pretexto da falência do rotativismo partilhado durante vários anos entre os partidos dinásticos Regenerador e Progressista que D. Carlos se «lembra» de João Franco em Maio de 1906: «Há muito a fazer e temos, para bem do País, que seguir por caminho diferente daquele trilhado até hoje; para isso conto contigo e com a tua lealdade e dedicação, como tu podes contar com o meu auxílio e com toda a força que te devo dar.» – Anuncia o rei na carta em que convida João Franco a formar governo.

Este, não só aceita como não demora muito a entrar em ditadura, dissolvendo o Parlamento em Abril de 1907, contra a forte oposição tanto de republicanos como dos demais partidos monárquicos.

Do rei tem todo o apoio para esta decisão: «São precisas obras e não palavras. De palavras, bem sabemos, está o País farto», escreve D. Carlos na carta que envia na altura ao chefe do seu Governo. Já algum tempo antes tinha respondido a um pedido de demissão de João Franco com esta argumentação: «Há muita coisa a fazer e creio que se pode e deve fazer e temos de seguir o nosso caminho doa a quem doer.»

Era suposto que os governos resultassem da composição partidária das câmaras de deputados e que estes resultassem da vontade dos cidadãos, expressa pelo voto. Na prática, porém, é quase sempre o contrário que sucede. É dos governos que resulta a composição da Câmara dos Deputados e escassíssimas vezes perde as eleições para deputados o partido que as faz, isto é, o partido que está no poder quando elas se efectuam.

Assim, os governos mudavam não tanto pela natural expressão da vontade do eleitorado, mas porque o rei os fazia cair. E muitas vezes a Câmara dos Deputados era dissolvida porque, na sua composição actual, não seria favorável a um novo governo.

A chave de todas as escolhas é, portanto, o rei. A queda dos governos e a dissolução das câmaras de deputados eram levados a efeito por decisão régia. É ele quem determina a oportunidade e o sentido da mudança. Baseia-se regularmente na opinião dos chefes partidários que considera mais representativos, mas a decisão final é sempre dele. Da opção régia dependiam a oportunidade e a orientação partidária que, com toda a probabilidade, iria ser seguida no futuro mais próximo.

O monarca ficava assim sistematicamente exposto ao desgaste constante, quer, para uns, como autor formal das crises, quer, para outros, como suporte artificioso de situações impopulares para evitar a abertura de crises.

É neste cenário que lança João Franco na governação ditatorial e que, em Novembro de 1907 dá uma entrevista ao jornal Le Temps, onde explica: «Caminhávamos não sei para onde. Foi então que dei a João Franco os meios de governar. Fala-se da sua ditadura, mas os outros partidos, os que mais gritam, pediram-me, também, a ditadura. Para a conceber, exigia garantias de firmeza. Precisava de uma vontade sem fraqueza para levar as minhas ideias a bom fim. João Franco foi o homem que eu desejava.»

Opinião diversa tinham outros que, como Magalhães Lima, grão-mestre da Maçonaria, haveria de escrever: «A ditadura franquista, com os seus corregedores à maneira de Pina Manique, irritava a opinião, e pode bem dizer-se que muito contribuiu para acelerar a marcha da República».

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