CARTA DE VENEZA – 52 – por Sílvio Castro

  “Duas grandes escolas do futebol mundial”

 

 Já que na nossa Carta anterior tratamos dos possíveis significados de uma partida amistosa de futebol, parece-nos indispensável cuidar igualmente daquela oficial, meta de um título. Naturalmente infinitos seriam os possíveis exemplos desse tipo de partidas, todos prontos a dar-nos elementos para uma crônica mais do que viva. Assim, para evitar maiores perdas de tempo, preferimos transcrever aqui, com alguns pequenos cortes e acréscimos, um artigo por nós escrito para uma revista italiana sobre uma das partidas principais da história do futebol mundial, justamente aquela na qual se defrontaram as seleções do Brasil e da Itália no campeonato mundial de futebol na Espanha, em 1982. A grande partida que nos levou a escrever as reflexões que agora vai aqui transcrita teve lugar em Barcelona e abriu surpreendentemente as portas para a conquista do título mundial a Paolo Rossi e seus companheiros. Mantenho o título original do artigo, pois nele coloco a chave principal para as minhas reflexões.

A partida entre Brasil e Itália de Barcelona no Campeonato do Mundo de futebol de 1982, além de ser história, já se fez lenda. Porém, não é o único caso nesse sentido nos diversos encontros disputados entre as duas nações. Já no campeonato de 1938 na França, brasileiros e italianos se encontraram numa partida memorável, história para muitos, também lenda para alguns. Eram duas grandes seleções – dizem as crônicas da época e os historiadores do futebol; e assim o digo indiretamente porque então eu estava por completar o meu sétimo ano de vida. A Itália, campeã do mundo depois do triunfo romano de 1934; o Brasil, já famoso pela grande técnica de campeões como Leônidas, que muitos especialistas colocam ainda hoje como o centro-avante ideal de uma formação internacional de todos os tempos; Domingos da Guia, que garoto eu ainda pude vê-lo jogar as suas últimas partidas, o mesmo que eu colocaria como “libero” ideal para qualquer formação que devesse encantar o expectador pela perfeição estilística e pureza de meios agonísticos; Valdemar de Brito, Tim, Perácio, Patesco, Romeu Pelliciari.

Na semi-final jogada em Marsilha, um verdadeira final, como quase sempre

acontece quando brasileiros e italianos se encontram antes de uma concreta final de campeonato, se defrontavam duas grandes escolas do futebol internacional. Como previsto, era uma partida disputada em todas as zonas do campo, com mudanças de ações que provocavam uma constante “suspense” na torcida que enchia o estádio de Marsilha. Uma luta que concentrava a atenção de todos e em modo particular, o duelo entre Meazza e Domingos. Este encantava o estádio pela elegância como defendia e pela perfeição dos lances de recomposição do ataque da seleção brasileira. Meazza era como sempre aquele gênio ofensivo capaz de inventar e encontrar o gol de qualquer posição e a qualquer momento. Contra a prepotência de um, a serenidade olímpica do outro. Ao lado de Meazza trabalhava o apôio constante e racional de Silvio Piola. Domingos e companheiros se opunham com insuspeitada tranquilidade aos constantes assédios dos campeões do mundo e já muitos brasileiros sonhavam com a conquista do direito de disputar as finais em Paris. Entretanto, Meazza lutava sempre com todos os recursos, obstinado contra a barreira que era  Domingos da Guia. E usava todo o seu gênio futebolístico para superar a barreira. Muitos dos recursos de Meazza se dirigiam mais a demolir o espírito olímpico de Domingos que verdadeiramente tocar a bola… E assim foi por mais de uma hora. Até que em determinado momento, surpreso, o estádio assistia a um gesto quase impossível: Domingos da Guia que, em plena área brasileira, atingia com um ponta-pé sem bola o centro-avante italiano. Expulsão – a única numa carreira de mais de vinte anos de grandes exibições – e penalti: a Itália bate o Brasil, 2 a 1, conquistando o direito de ir a Paris para coroar-se bi-campeã do mundo.

Em 1950, no campeonato jogado no recém-criado estádio do Maracanã, a crise da seleção depois da tragédia de Superga com os campeões de Turim, não permitiu que a “Azzurra” pudesse encontrar a grande esquadra brasileira de Bauer, Danilo, Zizinho, Ademir, Jair. Como acontecerá igualmente, por outras razões, na Suécia e no Chile, quando finalmente o futebol do Brasil – aquele de Pelé, Garrincha, Gilmar, Zagalo (meu colega no Colégio São José, do Rio), Didi, Djalma e Nilton Santos – encontra o reconhecimento tristemente perdido naquele de 1950, quando Schiaffino marcou o segundo gol da vitória absurda, por 2 a 1, do Uruguai diante de 200.000 torcedores brasileiros abismados.

Porém, em 1970, no México, os encontros lendários entre Itália e Brasil assinalam um novo episódio. Então foi uma verdadeira final de campeonato, a única das muitas que as duas seleções deveriam ter disputado nas várias edições passadas – 12 – do campeonato mundial de futebol, em disputas pela Taça Jules Rimet. A Itália de  Facchetti, Mazzola, Rivera, De Sisti, Dominghini, Riva, vinha da épica vitória sobre a Alemanha Ocidental, na semi-final do certame. Ainda que esgotados pelo esforço sobre-humano daquela que foi mais uma luta que uma simples partida de futebol, aos “azzurri” se batem ao máximo contra aquela seleção de grande futebol – talvez a mais madura da história das seleções do Brasil – com um Carlos Alberto, Clodoaldo, Jairzinho, Gerson, Tostão, Rivelino, Pele. Enquanto foi possível combater contra a fatiga acumulada, Boninsegna soube empatar o gol inicial de Jairzinho. Porém, depois, com o passar dos minutos, o Brasil conquistou definitvamente a Copa Jules Rimet, com o seu terceiro título de campeão. Era definitivamente campeão mundial e era a definitiva consagração da escola brasileira de futebol.

Agora, a partida de Paolo Rossi em Barcelona já se fez memória representativa de duas grandes escolas de futebol. Duas escolas representativas – ao lado daquelas do Uruguai, da Inglaterra, da Alemanha, da Hungria – de uma possível síntese estilística da história do futebol internacional. Entretanto, o que é quase certo é que uma das tantas razões da derrota do escrete do Brasil na Espanha pode ser encontrada na falta de uma mentalidade histórica dos técnicos e dirigentes do futebol que se esqueceram, então, ser a Itália sempre uma das grandes escolas do futebol mundial…

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