POESIA AO AMANHECER – 218- por Manuel Simões

poesiaamanhecer

POLÍBIO GOMES DOS SANTOS

(1911 – 1939)

POEMA DA VOZ QUE ESCUTA

Chamam-me lá em baixo.

São as coisas que não puderam decorar-me:

As que ficaram a mirar-me longamente

E não acreditaram;

As que sem coração, no relâmpago do grito,

Não puderam colher-me.

Chamam-me lá em baixo,

Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,

Onde a multidão formiga

Sem saber nadar.

Chamam-me lá em baixo

Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante

E transparente e desgraçado e vil

Quando a noite vem, criança distraída,

Que debilmente apaga os traços brancos

Deste quadro negro – a Vida.

Chamam-me lá em baixo:

Voz de coisas, voz de luta.

É uma voz que estala e mansamente cala

E me escuta.

Março de 1939

(de “Voz que Escuta”)

Falecido muito cedo, o seu nome ficou ligado ao movimento neo-realista. Colaborou em “Sol Nascente” e “O Diabo”, publicações precursoras do movimento. Publicou, como poeta, “As Três Pessoas” (1938). Na colecção “Novo Cancioneiro” saiu postumamente “Voz que Escuta” (1944).

Leave a Reply