Sic transit

A minha mãe era uma mulher nova, eu começava a preparar-me para a ver cansada, com rugas, com cabelos brancos, a preparar-me para, num futuro muito vago, assistir à redução da sua memória prodigiosa, este envelhecimento situar-me-ia no tempo, formar-me-ia para a velhice… A minha. Nada se passou assim pois, de súbito, em novembro de 2009, ela sofreu um AVC e, de um dia para o outro, vi-me obrigada a mudar-lhe as fraldas.

– Tem uma pele tão bonita!

Exclamou a senhora que ajudava na higiene dela. Uma pele jovem num corpo ainda jovem.

A minha mãe revelou-me algo que não é a velhice, mas um estado que às vezes se confunde com ela. A indiferença em relação aos que mais amámos e àquilo por que mais lutámos. A humilhação, mais ou menos consciente, de sermos incapazes de falar, de pensar, de caminhar; a dependência dos outros. A perda de todo o poder. A falta de liberdade: as decisões que regem a nossa vida passam a ser tomadas por outros. A infantilização. (Ela, que tão bem desenhava, que tão bem cozinhava, cujos bordados eram obras – a pintalgar caixas de ovos.) A degradação da nossa imagem. Quem ficará na memória? A combatente? Ou a dependente?

Felizes os que se veem envelhecer, porquanto na vida, como na morte, somos responsáveis por muito – não por tudo. A minha mãe não queria, não merecia ser privada de velhice… Aconteceu assim. Não há justiça nestas coisas.

Qual será o nosso futuro? Daqui por duas horas? Daqui por duas décadas? Convém não nos fixarmos nestas interrogações, para não as transformarmos em angústia; mas é importante vivermos cada instante como se fosse o penúltimo. Não matarmos o tempo… Carpe diem. Memento pulvis es. Sic transit gloria mundi. Os milénios que nos precedem deixaram-nos avisos e conselhos múltiplos. Convém não os ignorarmos.