A ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS E AS CONQUISTAS CIVIS DA MULHER BRASILEIRA – por Sílvio Castro

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Senhores,

Investindo-me no cargo de presidente, quiseseste começar a Academia de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponden à vossa confiança.

Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova, naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige, não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência nacionais é indicío de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da vossa vida brasileira. Está aberta a sessão.”

Com estas palavras, Machado de Assis, 1° Presidente da ABL, inaugurou em 20 de julho de 1897 a nova entidade nacional. Nascida nos moldes da Academia Francesa, a ABL é composta por 40 membros, inicialmente todos homens. Porém, a Academia sempre esteve atenta às conquistas civis da mulher brasileira, sendo alguns de seus membros claros partecipantes das lutas por essas mesmas conquistas, simbolisadas em poetisas aparentemente marginais, mas que tiveram grande importância para a mudança do gosto literário no setor. Gilka Machado é em geral o nome mais recorrente entre essas poetisas ditas rebeldes.

A tendência da ABL a uma participação com as lutas

femininas pela emancipação civil principia, em modo especial, com o surgimento do Movimento Modernista de 1922. Já em 1929, quando o estado da Paraíba concede autonomamente o direito de voto às suas cidadãs, isso na plenitude das batalhas de João Pessoa, o movimento tem repercuções até mesmo entre os Acadêmicos.

No plano nacional, o ano de 1932 é aquele do início global do direito de voto para a mulher nacional, conquista civil de amplos significados na vida do país.

Apesar de suas muitas aberturas pessoais ao problema, A ABL manterá sempre a sua estrutura absolutamente masculina. Somente 80 anos depois da fundação da entidade a mesma adere completamente à revolução civil, reformando os seus estatutos e elegendo, em 4 de agosto de 2009, a primeira escritora brasileira, a ficcionista Raquel de Queirós, nome essencial do chamado romance Nordestino.

Ainda que assim tenha agido, a ABL se mantém fortemente ancorada à sua tradição de maioria masculina, pois depois da autora de O Quinze somente sete outras mulheres foram eleitas: Lygia Fagundes Teles, Dinah Silveira de Queirós, Nelida Piñon, Ana Maria Machado, Zélia Gattai, Cleonice Bernadinelli e, neste 2013, a ensaísta Rosiska Darcy de Oliveira, eleita para ocupar a vaga resultante da morte de Ledo Ivo e tendo o seu recebimento sido presidido por uma outra acadêmica, Anna Maria Machado, atual Presidente da Entidade exaltada por uma intensa ação de relacionamento da ABL com entidades congêneres de todo os continentes, em particular com aquelas européias.

No ano de seu Centenário, a Academia Brasileira de Letras se exalta por um evento de projeção mundial: elege a primeira mulher presidente de uma academia internacional de Letras, a escritora Nelida Piñon.

Quinta ocupante da Cadeira 30, eleita em 27 de junho de 1989 na sucessão de Aurélio Buarque de Hollanda, em 1996-1997, Nelida Piñon se faz ainda mais famosa em todas as partes do mundo civil pelo seu galardão de primeira mulher do mundo ocidental a presidir uma Academia de Letras nacional.

A Presidência de Nelida – sobre a qual escrevi, em 2007 um artigo especial para o JL-Jornal de Letras, de Lisboa – foi de grande brilhantismo, em correspondência com toda a carreira da grande escritora brasileira que soube levar mais adiante a revolucionária forma literária da prosa brasileira contemporânea surgida com Clarice Lispector. Tudo isso mantendo igualmente uma autonomia estilística que começa em 1961, tendo a romancista somente 24 anos de idade, com o surpreendente Guia-mapa de Gabriel Arcanjo – sobre o qual escrevi então a primeira crítica nacional no Suplemento Literário do Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro, suplemento então dirigido por Santiago Dantas – livro que teve nos anos um seguimento monumental, com grandes exemplos de romances e de volumes de contos, todos fartamente traduzidos nas principais línguas.

       

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