A Mulher que Venceu Don Juan, de Teresa Martins Marques – por Inês Figueiras

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A Mulher que Venceu Don Juan (Dezembro de 2013, Âncora Editora) é o primeiro romance-folhetim português publicado no Facebook. Mas a inovação e a originalidade do novo livro de Teresa Martins Marques, criado a partir de uma versão revista e aumentada dos textos que publicou na rede social, vão muito além do modo como esta obra nasceu. Inês Figueiras, uma nova argonauta que em breve apresentaremos, explica-nos…

 Num país em que se estima que uma em cada três mulheres tenha sido ou seja vítima de violência doméstica, A Mulher que Venceu Don Juan revela-se um livro extremamente actual, com personagens tão reais que poderiam ser nossas vizinhas.

 Esta obra apresenta-nos vidas escondidas (ou que muitos procuram esconder), centrando-se na relação entre a violência, as relações e o donjuanismo, que se assumem de diferentes formas através de três personagens: o reputado cirurgião plástico Amaro Fróis, que se vinga do passado nas mulheres, Manaças, que recalca uma pulsão proibida, e, porque o donjuanismo e a violência também se expressam no feminino, Joana, a coleccionadora de namorados das amigas. A personagem central, Sara Dornelas, descobre da pior forma que: «A violência é um polvo tentacular. Não raro, vem embrulhada em celofane com o falso rótulo de amor.» (p. 299) Mas revela-se um foco de esperança para as mulheres e homens que, tal como ela, se vêem presos num ciclo de violência.

 O realismo da obra estende-se ao ponto de incluir pessoas verdadeiras, como Eduardo Lourenço ou Amadeu Ferreira, que interagem com as personagens do enredo. Os locais retratados existem, assim como alguns dos contextos.

 No estilo da autora, sobressai o recurso a vários excertos de outras obras, que sustentam uma interessante visão sobre os perfis psicológicos dos sedutores inveterados, com destaque para a personagem Manuela, que defende uma tese sobre o Diário do Sedutor, de Kierkegaard. O romance ganha assim, por vezes, um carácter teórico, interessante, mas que nos pode afastar momentaneamente da emoção da trama.

 Um excerto: «Há um tempo para rir e um tempo para chorar. O meu tempo de chorar tem sido muito longo. Dias de sol transformados em chuva, miudinha, cinzenta, da que molha os tolos, como eu tenho sido, como eu sou. Molha a alma, transforma a vida em lama. E é fácil transformar a alma em lama. Basta trocar-lhe duas letras. Vou estender a lama ao sol a secar, para ver se as lágrimas evaporam e talvez a alma comece a vir à superfície, saída do fundo de lodo, ainda presa aos limos. Deixá-la branquinha, a rebrilhar, será uma questão de tempo.» (p. 21)

 A autoraTeresa Martins Marques é doutorada em Literatura e Cultura Portuguesas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Actualmente, investigadora no CLEPUL e, entre 1992-1995, no Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia das Ciências de Lisboa.

 Dirigiu a equipa de organização do espólio literário de David Mourão-Ferreira (Fundação Calouste Gulbenkian / Ministério da Educação, entre 1997-2004). Dirigiu e prefaciou a Edição das Obras Completas (13 volumes) de José Rodrigues Miguéis (1994-1996).

 Entre as suas obras, destacam-se: Si On Parle du Silence de la Mer, O Eu em Régio: A Dicotomia de Logos e Eros (Prémio de Ensaio José Régio), O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis, Leituras Poliédricas e Clave de Sol – Chave de Sombra: Memória e Inquietude em David Mourão-Ferreira. Colaborou em três dezenas de volumes colectivos de ensaio.

 

3 Comments

  1. A lista dos livros a comprar já vai longa…. Acrescentei este. A forma como a Inês Figueiras apresenta o livro faz-nos vontade de o ir ler. Então a mim, que tenho escrito tanto sobre o assunto central! Parabéns e contamos consigo para continuar a partilhar connosco as suas leituras (e não só…)

    1. Por muito longa que vá a sua lista dos livros a comprar, atrevo-me a comentar que acrescentou muito bem… Recomendo vivamente o romance de Teresa Martins Marques a quem ainda não o leu. Eu não consegui despegar… senti-me constantemente seduzida, incapaz de pousar o livro – não há um momento de cansaço, pelo contrário, a vontade cresce à medida que se avança na leitura, dolorosa, sim, pelo conteúdo tão pungente, mas de inquestionável qualidade literária! É uma obra belíssima a todos os níveis e só posso felicitar a autora! Pela excelência da escrita, mas também pelo seu enorme empenhamento cívico.

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