Apresentamos uma série de poetas, que, por mérito próprio, têm lugar na poesia portuguesa, ligados, porém, pela circunstância de poderem “organizar” uma antologia da poesia açoriana contemporânea. E começamos com
PEDRO DA SILVEIRA
( 1922 – 2003 )
TESE E ANTÍTESE
No dia 3 de Março de 1878, perto de Hobart, na Tasmânia
morreu David, homem de cor, de idade ignorada
mas muito velho.
Vivia só, numa cabana que ele próprio construíra.
Enquanto pôde cultivou uma horta e do que ela dava
e da caça tirava o seu sustento.
Diziam que tinha sido antropófago e quando lhe perguntavam
que sabor tinha a carne humana ele ria e respondia
que era a melhor de todas as carnes.
Concordava com os que diziam que o seu povo era selvagem
mas não entendia a razão do seu extermínio.
Os outros, que não comiam carne humana e tinham um
deus melhor que os seus deuses,
afinal tinham feito morrer toda uma raça.
(de “Nove Rumores do Mar”)
Poeta, investigador e ensaísta. Publicou, entre outros livros, “A Ilha e o Mundo” (1953), “Sinais de Oeste” (1962. Organizou a “Antologia de Poesia Açoriana – Do século XVIII a 1975” (1977). Fez parte da redacção de “Seara Nova” até 1974.