MUNDO CÃO – CRIMEIA – por José Goulão

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De repente, a plêiade de dirigentes político-mercantis que gerem a União Europeia e os Estados Unidos da América, até há dias incapazes de apontar no mapa uma coisa chamada “Crimeia”, tornaram-se fervorosos ucranianos da Crimeia, até tártaros da Crimeia, defensores de direitos de pessoas de cuja existência, em boa verdade, jamais se tinham lembrado.

De Hollande a Obama, de Cameron a Merkel – os outros batem palmas e acenam com a cabeça – todos acham que o pecado é a realização de um referendo, uma consulta aos cidadãos para saber se querem ficar sob a pata de Bruxelas e Washington ou de Moscovo, já que independência ou autonomia não contam para o caso, o que conta são os portos no Mar Negro, que não gelam nem sob as ordens do temido general Inverno, o que conta são influências e negócios.

De um lado, Vladimir Putin e a sua versão do renascido nacionalismo russo, orgulhoso e reacionário como todos os nacionalismos, mas pior quando dá polimento aos galões imperiais e muito poder transnacional às suas oligarquias económicas. Em Paris e Bruxelas, Londres e Washington choram-se sentidas saudades de marionetas como Ieltsin, como se o bem-bom que permitiu negócios soberbos aos de sempre com o leilão a pataco do “obsoleto” sistema económico soviético “e países satelites”, durasse para sempre. Não durou, a gora a música é outra e a Rússia imperial não gosta de se sentir acossada, muito menos quando os que a atiçam se querem instalar no osso das suas fronteiras.

Do outro lado, o dos bons, estão os virtuosos cavaleiros-andantes da democracia, dos direitos humanos, ombro-com-ombro, mão-na-mão com fascistas embebidos numa mistura de poeira da história e sangue vivo destes dias, transformados em heróis libertadores e cujas origens e cédulas de nascimento foram varridas à pressa para as lixeiras, juntamente com os destroços das arruaças na Praça Maidan. Percebe-se que democratas tão genuínos não queiram um referendo na Crimeia. Onde estão os referendos nos seus países sobre a adesão ao Euro, sobre o tratado orçamental, sobre as próprias adesões à União Europeia? Ou os referendos para lançar as guerras no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria? Ou as consultas aos povos para ficarem a viver em protectorados, seja na Grécia, na Bósnia Herzegovina, no Chipre, em Portugal? Ouvir as pessoas? É um risco, ou até garantia de uma invasão, de que a maioria do Parlamento Europeu decidiu acusar a Rússia ao promover a votação na Crimeia… Ouvir as pessoas só quando existe a certeza de decidirem como eles querem. Mas que não seja quando se sabe que os inimigos, neste caso os russos, vão obter a resposta que pretendem. Para estes genuínos democratas nada é mais incómodo que a própria democracia. Por essas e outras, decidiu o embaixador de Israel em Kiev assinar um acordo “defensivo” com as milícias neonazis – no governo – para que os seus ímpetos xenóbobos ponham o anti-semitismo entre parêntesis, em troca da colaboração de uns quantos mercenários trazendo de Gaza algum sangue para juntar ao que jorra em Kiev. Sangue dos impuros nunca é excessivo.

No olho deste vendaval provocado por gente ensandecida, e que nos governa, estão pessoas, milhões de pessoas, a correr o risco de serem arrastadas para um conflito de consequências que ninguém avalia porque não existe na história padrão que sirva de referência.

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