RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS – UM OLHAR: O LADO ESCURO DO MILAGRE DE POSTOS DE TRABALHO DA ALEMANHA – por SARAH MARSH e HOLGER HANSEN

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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Um olhar: o lado escuro do milagre de postos de trabalho da Alemanha

SARAH MARSH AND HOLGER HANSEN

STRALSUND, Alemanha

Reuters – 8 de Fevereiro de 2012

Parte I
A worker controls the cast at a blast furnace of German steel manufacturer Salzgitter AG in SalzgitterLegenda: Um trabalhador controla o processo de produção num alto-forno da fabricação de aço de Salzgitter AG em Salzgitter, a 24 de Março de 2010.

 (Reuters) – Anja tem andado a limpar soalhos e a lavar pratos por dois euros a hora nos últimos seis anos. Ela está siderada e mesmo desnorteada quando olha para os jornais e vê que estes falam do “milagre do emprego ” na Alemanha

“A minha empresa explora-me,” diz esta mulher de 50 anos de idade, sentada na cozinha do seu pequeno apartamento na cidade de Stralsund na Alemanha Oriental. “Se pudesse encontrar outra coisa, já estaria longe daqui.”

Stralsund é uma cidade atraente mas Anja, que prefere não usar o nome completo por medo de ser despedida, não pode ir aos cafés catitas.

A contenção salarial e as reformas no mercado de trabalho têm levado à descida da taxa de desemprego ao nível mais baixo desde há vinte anos e o modelo alemão é frequentemente citado como um exemplo para as nações europeias que pretendem reduzir o desemprego e tornar-se mais competitivas.

Mas os críticos dizem que as reformas que ajudaram a criar postos de trabalho também ampliaram e reforçaram o sector de trabalho mal pago assim como o trabalho temporário, alargando assim a desigualdade salarial.

Os dados oficiais sobre o mercado de trabalho mostram que o sector de baixos salários cresceu três vezes mais rápido que os outros empregos nos últimos 5 anos até 2010, explicando porque o ” milagre do mercado de trabalho” não levou os alemães a gastar muito mais do que eles têm feito no passado.

O salário na Alemanha, que não tem salário mínimo nacional, pode atingir mesmo valores abaixo de um euro uma hora, especialmente a Leste, na antiga zona comunista.

“Eu tive várias pessoas a ganhar cerca de 55 cêntimos por hora”, disse Peter Huefken, o chefe da agência de empregos de Stralsund, o primeiro agente de empregos que processou empregadores por pagarem tão pouco. Ele está a incentivar outras agências a fazer a mesma coisa.

Os dados do Gabinete de Estatísticas da União Europeia sugerem que as pessoas a trabalhar na Alemanha são levemente menos propensas à pobreza do que os seus pares na zona euro, mas esse risco de cair em pobreza tem estado a aumentar: 7,2 por cento dos trabalhadores que ganham tão pouco têm tido em 2010 situações de pobreza contra 4,8 por cento em 2005.

Esta taxa é ainda é inferior à média de 8,2 por cento da zona euro. Mas o número dos chamados ” trabalhadores pobres ” cresceu mais rapidamente na Alemanha do que na zona monetária como um todo.

Em resposta, enquanto os outros países europeus andam a pressa a quererem desregular os seus mercados de trabalho a Alemanha está a querer fazer o contrário, a querer regular este mercado..

O governo conservador de Angela Merkel está a tentar colocar água na fervura para diluir os efeitos de algumas reformas do mercado de trabalho estabelecidas pelo seu antecessor do SPD, Gerhard Schroeder, e isto a um ano e meio antes da próxima eleição federal, quando esta está a procurar alcançar um terceiro mandato.

Reforma precoce

O contraste entre os níveis recorde da Alemanha de emprego na Alemanha e a situação de gravidade extrema no resto da Europa é gritante.

No ano passado, o número de pessoas a trabalhar na Alemanha atingiu valores acima do máximo até aí alcançado de 41 milhões pela primeira vez. A taxa de desemprego tem estado em queda e de forma linear desde 2005 e agora está em apenas 6,7 por cento, em comparação com 23 por cento em Espanha e de 18 por cento na Grécia.

Foi uma batalha dura desde o pico de desemprego alcançado após a reunificação alemã em que o desemprego efectiva atingiu o seu pico em 1990. Muitas empresas do leste alemão afundaram-se face ao mercado livre logo que o Muro de Berlim caiu, levando a que o desemprego tenha subido para mais de 20 por cento.

A globalização veio colocar a economia alemã, assente na dinâmica das suas exportações, a ficar sob a pressão da concorrência forçando-a assim a ajustar-se rapidamente.

Em 2003, a Alemanha estava a embarcar em reformas aclamadas como sendo a maior mudança para o sistema do Estado Social ( Welfare State) desde a Segunda Guerra Mundial, e mesmo enquanto muitos dos seus parceiros estavam a caminhar em sentido inverso.

Enquanto os socialistas franceses estavam a introduzir a semana de 35 horas e a accionarem os salários mínimos, os social-democratas alemães (SPD ), fizeram a desregulamentação do mercado de trabalho e aumentaram a pressão sobre os desempregados para encontrarem e aceitarem trabalho.

Sindicatos e empregadores acordaram na contenção salarial em troca de garantia de emprego e de crescimento. As práticas de trabalho flexível e a redução dos subsídios das horas de trabalho extra permitiu aos empregadores ajustarem-se ao ciclo económico, sem uma maior contratação e sem maiores despedimentos.

De 2005, o desemprego começou a cair e aproxima-se dos níveis da pre-reunificação. Noutros lugares na Europa, os governos que lutam contra o desemprego elevado estão a jogar o jogo da convergência entre eles, de catch-up, fazendo das reformas do mercado de trabalho a sua primeira prioridade.

As reformas dos mercados de trabalho que estão a ser introduzidas na Espanha e em Portugal também têm muito a ver com as medidas de desregulação dos mercados que foram aplicadas na Alemanha .

O Presidente da República Francesa, Nicolas Sarkozy que é um conservador, citou repetidamente as reformas de Schroeder apelidadas de “Agenda 2010” como um exemplo para o seu país ao longo dos últimos meses..

“O mais baixo salário sectorial na Europa “

O crescimento do emprego na Alemanha tem sido especialmente forte na gama de baixos salários e do emprego temporário devido à desregulamentação e mesmo à promoção dos chamados “mini-empregos” que são empregos flexíveis, de muito baixos salários e subvencionados.”

O número de trabalhadores a tempo inteiro na gama de baixos salários – às vezes definidos como menos de dois terços do rendimento médio – aumentou 13,5% para 4,3 milhões entre 2005 e 2010, três vezes mais rapidamente do que os outros empregos, segundo o o Ministério do Trabalho.

Os empregos nas agências de trabalho temporário atingiram  um recorde em 2011 de 910.000 – o triplo do número verificado em 2002 quando Berlim iniciou a desregulamentação do sector do trabalho temporário.

Os economistas dizem que era a intenção do Schroeder conseguir uma rápida expansão desses sectores, a fim de obter que os trabalhadores muito mal pagos e os desempregados de longa duração voltassem ao mercado de trabalho.

Em 2005, Schroeder, que estava no último ano como Chanceler, afirmou no Fórum Económico Mundial em Davos como um auto-elogio: “Nós construímos um dos melhores sectores de baixos salários na Europa.”

Sete anos mais tarde, os empregadores louvam as reformas que levaram ao crescimento dos mini-empregos e do trabalho temporário.

“O argumento dos sindicatos de que os empregos (mini) levam à situação o de precariedade das condições de trabalho na Alemanha não é válido,” disse Mário Ohoven, chefe da principal Associação de pequenas e médias empresas, “Mittelstand”.

Ohoven disse que empregos  eram particularmente populares entre as mulheres e os estudantes que tentam ganhar algum dinheiro extra, enquanto Juergen Wuttke do grupo dos empregadores-BDA disse que as reformas deram às empresas uma maior flexibilidade e capacidade para empregar mais gente para os baixos salários e com baixa produtividade….

Fritz Engelhardt, que dirige um pequeno hotel de três estrelas na sudoeste da cidade de Pfullingen, diz que ele emprega dois “mini-jobbers” para ajudar no fim-de-semana e para fazer recados pequenos.

“Muitas pessoas em serviço de restauração no exterior do estabelecimento tentam lidar com picos no trabalho no fim-de-semana, ou quando eles têm eventos especiais com a contratação de mini-jobbers”, disse Engelhardt. “Com as grandes cadeias, os hotéis podem usar os trabalhadores de uma empresa irmã mas para empresas de pequeno e médio porte os mini-empregos são cruciais para a sua própria existência.”

Mesmo as empresas gigantes alemãs dependem destas novas formas de emprego para uma maior flexibilidade. Adidas, o segundo maior fabricante mundial de vestuário desportivo e a cadeia de supermercados Kaufland, parte do mesmo grupo como a cadeia de desconto Lidl, ambas usam mini-empregos para preencher lacunas de pessoal quando o negócio está em alta

Os dados da OCDE mostram que os registos dos empregos de baixo salário representam 20 por cento dos empregos em tempo integral na Alemanha, enquanto a mesma relação é de 8.0 na Itália e de 13,5 por cento na Grécia.

(continua)

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