POESIA AO AMANHECER – 445 – por Manuel Siimões

445

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MANOEL DE BARROS

                                                                                                         ( 1916 )

            UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO

            (fragmento)

           

            II

            Desinventar objetos.

            O pente, por exemplo. Dar ao

            pente funções de não pentear. Até que ele fique à

            disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

 

            Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

            […]

           

            VII

            No descomeço era o verbo.

            Só depois é que veio o delírio do verbo.

            O delírio do verbo estava no começo, lá onde a

            criança diz: «Eu escuto a cor dos passarinhos».

            A criança não sabe que o verbo escutar não funciona

            para cor, mas para som.

            Então se a criança muda a função de um verbo, ele

            delira. E pois.

            Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer

            nascimentos-

            O verbo tem que pegar delírio.

            (de “O Livro das Ignorãças”)

Poeta só revelado a partir dos anos 80 graças ao filme “O inviável anonimato do caramujo flor”, de Joel Pizzini, e à revista espanhola “El Paseante”. A sua voz poética está de perto ligada ao Pantanal: “Gramática expositiva do chão” (1969), “Matéria de Poesia” (1970), “Livro de pré-coisas” (1985), “O Livro das Ignorãças” (1993), “Livro sobre nada” (1996).

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