3. PORQUE É QUE ESTAMOS NUMA NOVA ERA DOURADA – SOBRE O LIVRO CAPITAL IN THE TWENTY-FIRST CENTURY, DE THOMAS PIKETTY – por PAUL KRUGMAN

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Falareconomia1

3.Porque é que estamos  numa  nova era dourada

Sobre o livro  Capital in the Twenty-First Century, de   Thomas Piketty

Paul Krugman

Parte I

(continuação)

O que sabemos sobre a desigualdade económica, e desde quando é que o sabemos? Até à revolução de Piketty cobrir  um largo período de tempo nesta matéria, a maior parte do que sabíamos sobre a desigualdade de rendimento e da  riqueza resultava de  inquéritos, em que eram escolhidas aleatoriamente famílias a quem era solicitado que  preenchessem  um questionário e as suas respostas eram registadas  para com elas se produzir um retrato estatístico do todo. O padrão de referência internacional para tais inquéritos  é o levantamento anual realizado uma vez por ano pelo Census Bureau. O Federal Reserve também realizava o mesmo tipo de pesquisa de três em três anos  sobre a  distribuição da riqueza.

Estes dois inquéritos são um guia essencial para a mudança de forma da sociedade americana. Entre outras coisas, eles têm desde há muito tempo apontado para uma mudança dramática no processo de crescimento económico dos EUA, que começou por volta de 1980. Antes disso e até aí, as famílias de todos os níveis viram os seus rendimentos crescerem mais ou menos em simultâneo com o crescimento da economia como um todo. Depois de 1980, no entanto, a maior parte dos ganhos foi para os rendimentos de topo, com as famílias na parte mais baixa da escala de repartição a verem a sua quota parte na distribuição do rendimento a baixar continuamente.

Historicamente, há outros países que também foram igualmente bons nos resultados alcançados; mas esta situação melhorou ao longo do tempo, em grande parte devido aos esforços do  Luxembourg Income Study ( no  qual serei em breve  um dos seus  filiados). E a disponibilidade crescente dos dados que podem ser comparados através das nações conduziu a ter-se uma ideia cada vez mais clara nesta área. Em particular, nós sabemos agora que os Estados Unidos tem uma distribuição de rendimento  muito mais desigual do que outros países avançados e que muita desta diferença,  destes   resultados,  pode ser atribuída directamente à acção governamental. As nações europeias têm geralmente rendimento altamente desiguais,  resultantes das actividades mercantis, exactamente do mesmo tipo  que os  Estados Unidos, embora possivelmente não na mesma dimensão. Mas nestes países praticam-se muito mais políticas de redistribuição através dos impostos e de transferências do que o fazem os Estados Unidos.

Contudo, na sua utilização completa, os dados dos inquéritos  têm limitações importantes. O tratamento destes dados tende a subavaliar ou a não introduzir mesmo o rendimento que  cresce nas mãos de um pequeno  grupo de indivíduos que estão  na parte superior da escala de  rendimentos.  Igualmente também são muito limitados em termos de profundidade histórica. Mesmo os dados dos inquéritos dos E.U. não vão abaixo de 1947.

.Aparecem os trabalhos de  Piketty e dos  seus colegas, que estabeleceram  uma nova  e totalmente diferente fonte de informação: os registos de impostos. Esta não é uma ideia nova. Certamente, as análises anteriores sobre a distribuição  de rendimentos  a partir de  dados dos impostos pouco fizeram. Piketty e os seus colegas, contudo, encontraram maneira de juntar dados sobre impostos  com outras fontes para gerar a informação que de uma forma crucial  complementa os dados dos inquéritos . Em particular, os dados sobre os impostos dizem-nos muito sobre as elites. E as estimativas baseadas nos impostos  podem ir  muito mais longe no passado: os Estados Unidos têm imposto sobre rendimento desde 1913, a  Grã-Bretanha desde 1909. A França, devido aos registos dos impostos sobre propriedades e sucessões  e ao facto de manter esses registos,  permite que se recue na análise até ao final do século XVIII.

Explorar estes dados não é tarefa simples. Mas, utilizando todos os truques  conhecidos, assim como  alguma capacidade de reconstrução conjuntural, Piketty pode produzir uma síntese da  redução e do aumento da  desigualdade extrema no decorrer  do século passado. Pode ser sintetizada na figura abaixo.

Como eu disse, descrever a nossa época actual como uma nova  Idade Dourada   ou como Belle Époque  não é uma  hipérbole; é a simples verdade. Mas como é que isto aconteceu?

Piketty - VII

 

(continua)

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Para ler a Introdução deste trabalho de Paul Krugman, sobre o livro de Thomas Piketty, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2014/05/20/3-porque-e-que-estamos-numa-nova-era-dourada-sobre-o-livro-capital-in-the-twenty-first-century-de-thomas-piketty-por-paul-krugman/

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