CRÓNICA DE DOMINGO – “PRIMÁRIAS” – por António Sales

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São cada vez mais raras as pessoas que perante um desafio que ponha em causa o seu poder em uma hierarquia (política, económica, financeira) se decidam enfrentar com dignidade e rapidez o problema, preferindo empurrá-lo com a barriga arrastando-o no tempo e recorrendo a métodos obscuros.

O caso de secretário-geral do Partido Socialista, António José Seguro, quando confrontado por António Costa nesse lugar, ilustra aquela situação. Não procurou resolver rápida e eficazmente o caso da disponibilidade de Costa para disputar o lugar de secretário-geral, como seria próprio de um líder corajoso, mas antes criar um estado de obstrução e confusão que debilita o Partido e, naturalmente, a oposição. Seguro que nas suas intervenções públicas tantas vezes invocou a exigência de uma política de verdade, de transparência nas decisões e atitudes, de coerência entre o discurso e a prática, teve súbita amnésia. Colocado perante o desafio de António Costa abriu um leque de resistências, evitando resolver o assunto sem delongas de modo a clarificar, de uma vez por todas, a sua chefia.

Acontece que o seu rival não é um militante qualquer, ativista acompanhante de campanhas eleitorais e bandeirinha na mão, que decidiu complicar-lhe a vida. É um candidato com prestígio dentro e fora do Partido, senhor de um currículo invejável e ganhador da Câmara Municipal de Lisboa por uma maioria absoluta esmagadora. É, enfim, um concorrente sério.

Exatamente porque é um concorrente sério AJS procurou evitar a disputa do lugar, depois protelá-la tirando da cartola as eleições primárias as quais, como já tivemos uma amostra farmacêutica, podem dar origem a uma “democrática” angariação de votos. Trata-se, obviamente, de uma manobra de diversão cujo processo é tudo menos rápido, transparente e eficaz. Isto é, nada consentâneo com aquilo que se pede ao chefe do maior partido da oposição.

O arrastar desta situação até ao dia 28 de Setembro terá consequências desastrosas para o PS. Se António José Seguro ganhar as primarias aforrará sobre si e o Partido um ónus de antipatia a refletir-se depois nos resultados eleitorais. Se, pelo contrário, António Costa ficar com a medalha de ouro no pódio eleitoral e vier a agregar à sua volta uma bem representativa maioria de portugueses, não será porque acreditam no PS mas sim nele, António Costa, que pelas birras de Seguro passará a ser o homem providencial. De qualquer forma a incapacidade do atual líder em gerir este processo de forma frontal e límpida, arrasta-o com o Parido para um limbo de descrédito num momento em que a opinião pública tem a pior imagem dos políticos e dos partidos.

Desta comédia de “boulevard” da política portuguesa é óbvia a conclusão a tirar: os aparelhos partidários estão acima dos interesses da nação e do seu povo. Se assim não fosse a atitude de AJS seria certamente diferente. É bom recordar que a vida profissional deste homem foi exclusivamente feita no Partido. Nunca conheceu outro emprego, nem outro trabalho, nem outro patrão que não fosse o Partido.

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