Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
RUSSIA-NATO
O grande desafio do mundial vai começar na Ucrânia
Michel Lhomme, revista Metamag
17/06/2014
Primeiro ponto: os tanques russos entram na Ucrânia. Tanques vindos da Federação da Rússia teriam entrado sobre o território ucraniano pelos postos-fronteiriços que caíram nas mãos de rebeldes pró-russos no leste da Ucrânia, de acordo com a BBC. As forças armadas ucranianas então teriam aberto fogo. Recordemos que na Ucrânia, os separatistas proclamaram duas “Repúblicas independentes”, em Donetsk e em Lougansk, depois dos referendos realizados a 11 de Maio. As forças ucranianas lançaram pelo seu lado, há dois meses, uma ofensiva, qualificada por Kiev “de operação anti-terrorista”, para reprimir a revolta pró-russa que agita o Leste da Ucrânia. Uma questão se levanta aqui: após os JO e a revolta de Maîdan fomentada pelo Ocidente que se tinha aproveitado da janela de tiro aberta por Sotchi, Putin não iria ele aproveitar-se do efeito “campeonato do Mundo ”, como a sua janela de tiro?
Curiosa vingança, esta dos Russos, no caso presente! Além do mais, os EUA que estão por detrás de Porochenko, presidente Ucraniano desde 7 de Junho de 2014, estão neste momento muito preocupados pela penetração do EIIL no Iraque. Putin sabe-o também: Mundial de futebol seguidamente as crises (Síria, Iraque, Nigéria), há uma incapacidade reconhecida para a hiperpotência de gerir várias crises simultaneamente. Conta-se de resto, nos meios diplomáticos uma anedota e esta é a seguinte: são os funcionários do Departamento de Estado que convidam os membros da Associação dos Historiadores da Política estrangeira americana a virem visitar os lugares do seu Ministério. Em plena visita, os membros da associação surpreendem-se por verem apenas duas “salas de crise”. À pergunta de se saber o que aconteceria se se desencadeassem em simultâneo três crises, a resposta do guia foi totalmente eloquente, meio a rir meio a sério: “Requalificar-se-ia uma das salas como sendo a sala de não-crise. ”! A Ucrânia será a Não -crise? A partição não estará já ela desenhada de resto num acordo secreto entre Obama e Putin como o dava a entender implicitamente há muito pouco tempo Michel Charasse?
Segundo ponto: a Rússia começa a levar a cabo a sua reconversão financeira. Os Russos não agem somente sobre o plano militar. Reagem às sanções económicas impostas pela OTAN atacando o petrodólar. Isto poderá ser o golpe fatal como penalização proibitiva tanto quanto o tema parece ter sido discutido com os Chineses.
A China e a Rússia – e sem dúvida também a Índia – parecem ter-se posto de acordo sobre uma estratégia a longo prazo de desdolarização. O mais importante produtor de gás natural do planeta, Gazprom, efectivamente acaba de assinar acordos comerciais com alguns dos seus mais importantes clientes fazendo com que os pagamentos das suas encomendas de gás passem a ser feitos em euros e não em dólares. Tinha-o já feito muito recentemente com a China. Com efeito, desde o que aconteceu com a Líbia e a Síria, os Estados Unidos perderam uma grande parte da sua credibilidade internacional. Os russos e os chineses encaram a hipótese de virar as costas aos Estados Unidos quanto às questões monetárias. É uma revolução. A super-potência não se recomporá nem de resto a paisagem financeira mundial, daí esta estranha impressão ao mesmo tempo inquietante e incómoda desde há meses de que o sistema provocará por si-mesmo a sua própria implosão, tal como o último bater de cauda do crocodilo antes de morrer.
Nove em cada dez clientes de Gazprom deixaram assim de utilizar o dólar e passaram a utilizar o Euro nos seus contratos de abastecimento e outras grandes empresas russas utilizam o yuan chinês como moeda de troca. É o resultado concreto das sanções ocidentais decididas pelo Congresso americano contra o bom sentido económico. Nos Estados Unidos, a três meses das eleições de meados do mandato americanas, os Republicanos não cessaram de fazer subir o tom contra Obama. A decisão irrealista de congelar os fundos e os activos russos em represália “de uma invasão russa” na Ucrânia vai contra os interesses americanos. Assim, múltiplas contas russas de grandes empresas foram abertas nestas últimas semanas nos bancos da Ásia. É que afirmou Pavel Teploukine, proprietário de Deutsche Bank na Rússia, num artigo do domingo 8 de Junho no Financial Times. No mesmo tempo, o jornal informa-mos de que os russos retiraram o seu dinheiro dos bancos americanos a uma velocidade nunca igualizada e desde Março, sem mesmos estar a esperar a espiral das sanções ocidentais. Os depósitos russos nos bancos dos EUA desceram repentinamente de 21,6 mil milhões de dólares para exactamente 8 mil milhões. Retiraram 61% dos seus depósitos apenas num só mês!
O sistema económico americano pode sem prejuízos opor-se a este contra ataque legítimo dos russos? O valor do dólar é artificialmente alto porque o mundo comercializa em dólares. Isto permite aos Estados Unidos manter custos de empréstimo artificialmente baixos mas se deixar de ser assim, o dólar perderia fortemente valor. Pior, é que a cegueira da Europa é tal que começa uma espécie de dolarização via tratado transatlântico. Com efeito, desde Setembro de 2008, vivemos numa bolha financeira resultado de uma falsa estabilidade monetária e de dinheiro garantido. Ora as contas tóxicas dos bancos são reais. Todas as bases financeiras da economia não cessaram de se deteriorar-se e de degradar-se.
Michel Lhomme, Le grand match du mondial va commencer en Ukraine, revista Metamag.
http://metamag.fr/metamag-2119-RUSSIE—OTAN–Le-grand-match-du-mondial-va-commencer-en-Ukraine.html