VAMOS BEBER UM CAFÉ? – 7 –  por José Brandão

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DO BOTEQUIM AO CAFÉ (PEQUENA HISTÓRIA DOS GRANDES CAFÉS DE LISBOA)

Lisboa é historicamente uma cidade feita de grandezas e de factos monumentais para toda a humanidade, mas que nunca conseguiu deixar de mostrar, nem tão pouco disfarçar, que já foi moura durante muitos séculos. Talvez por isso seja mais fácil falar de vinho do que de café e talvez por isso a verdadeira Lisboa tenha o seu passado mais ligado às tabernas anónimas dos bairros típicos do que aos cafés famosos das zonas chiques da cidade.

Descobrir cafés não foi propriamente a grande vocação dos portugueses ou dos lisboetas em particular. Quando aparecem o Martinho da Arcada em 1782, o Café Tavares em 1784 e Café Nicola em 1787, já Paris, Veneza, Marselha e Londres tinham de há longa data os seus cafés célebres por se tornarem centros de convívio para artistas e políticos.

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Quando Vasco da Gama partiu à descoberta do caminho marítimo para a Índia, ou Alvares Cabral foi ao encontro do Brasil, já nas principais cidades da Europa se começava a pensar em caminhar para os cafés e ao encontro do novo lazer relaxante e confraternizador.

Vislumbrado na Odisseia, de Homero, e até no Velho Testamento, ou referido na Idade Média por Avicena, o café surge como bebida desde tempos remotos e consegue ser mais antigo ainda do que as próprias tavolagens. Mas será por meados do século XVII que os cafés conforme hoje conhecemos vão aparecer em grande força um pouco por todas as grandes cidades europeias, com Paris á cabeça e o famoso Café Procope frequentado por Voltaire, Rosseau, Diderot, Piron, d’Alembert, Destouches, entre outros – e que se tornara num centro célebre de discussão ousada.

Em Lisboa era ainda e só o reino das tabernas. Mesmo no Chiado o que havia para discutir fazia-se ao balcão da taberna de um tal Gaspar Dias com portas abertas por volta do século XVI. Em alternativa ia-se até ao Alto de Santa Catarina, Caracol do Carmo, Adro de S. Domingos e mais uns tantos locais onde se debatia ao ar livre os assuntos que a Europa apreciava ao sabor de um café bebido em salões a propósito.

Tudo indica que os primeiros cafés portugueses, lisboetas, tenham sido dois dos raríssimos botequins existentes em 1745, o mais afamado dos quais dava pelo nome de Café do Rosa e era apenas frequentado por negociantes estrangeiros. Estava situado na Rua Nova, que era a principal artéria de Lisboa e onde também se encontrava desde 1741 o Café da Madame Spencer. São duas lojas essencialmente históricas enquanto primeiros cafés de Lisboa, embora seja duvidoso que nelas se tenha de facto bebido café, tal qual acontecia noutras cidades capitais. Dois violentos terramotos irão alterar profundamente todo este enquadramento histórico e social dos chamados cafés de Lisboa. O de 1755, em Lisboa, leva o Marquês de Pombal a ter de pensar na reconstrução da cidade em moldes que nunca poderiam deixar de ser modernos e de acompanharem a arquitectura da exigência de novos espaços. O de 1789, em Paris, leva o Mundo inteiro a pensar em tudo o que tem sido feito e como vai ter de passar a ser a partir dessa data.

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É de facto com o grande terramoto de 1755 e com a grande Revolução francesa de 1789 que também os cafés vão conhecer uma nova vida em Portugal.

O Botequim do Marcos Filipe é o primeiro café de luxo que a nova Lisboa pombalina vai poder desfrutar. O Marquês de Pombal, segundo se conta, foi um dos principais impulsionadores desta nova atividade. Com a reconstrução da capital, de que foi o principal obreiro, o Marquês patrocinou a inauguração do Casaca, um botequim situado na zona nobre de Lisboa. O influente ministro de D. José será mesmo o padrinho deste café, finalmente à moda do que de melhor existia na Europa. Porém, ao que consta, o lanche de Pombal no dia da inauguração da nova casa situada no Largo do Pelourinho, ter-se-ia ficado por um vulgar chá e umas torraditas feitas com pão saloio vindo bandas de Belas.

Conta-se que foi devido a este patrocínio que, quando Pombal estava a caminho do exílio, o Casaca o acompanhou a pé durante largos quilómetros, e só parou quando as forças se lhe acabaram. Entretanto o Casaca acabou. Ficará para sempre como um símbolo da Lisboa pombalina, e como o início de um negócio que está muito para além dos cifrões e do lucro: é desde sempre um fenómeno cultural e político.

 

2 Comments

  1. Curioso mas mal avaliado é o facto apontado de que em Lisboa não havia, como na Europa central – a dita continental – os bons cafés mas, é óptimo recordar-se, fazia-se uma obra bem mais asseada como foi a de ir passar-se o Cabo Bojador e, assim, dar-se o inicio – o inicio autentico – da Idade Moderna. Somos um Povo atrasado; nada fizemos de útil. Como é que um País pode viver sem ter um café e gasta o seu tempo a descobrir outos mundos.CLV

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