Dai-me o esplêndido sol silente, com todos os seus raios em pleno esplendor,
dai-me o fruto maduro de outono, sumoso e vermelho na horta,
dai-me o prado onde cresce a erva que não foi ceifada,
dai-me uma árvore, dai-me o cacho de uvas que pende da latada,
dai-me milho e trigo novos, e animais que se movem serenos, ensinando
contentes,
dai-me noites plenamente tranquilas sobre altos planaltos a oeste do
Mississipi, onde possa olhar as estrelas,
dai-me ao amanhecer um jardim balsâmico, rico de esplêndidas flores,
onde possa caminhar tranquilo,
dai-me como esposa uma mulher de respiração suave, da qual nunca
tenha de me cansar,
dai-me um filho perfeito, e uma doméstica vida rural, longe dos sons
do mundo,
dai-me cantos espontâneos para gorgear e só para os meus ouvidos,
dai-me a solidão, dai-me a Natureza, e tu, Natureza, volta a dar-me a tua
sanidade primitiva!
Estas coisas, por tê-las pedido (cansado da excitação que não tem
trégua, torturado pelas batalhas da guerra),
sem repouso, pedindo para as obter, com gritos que do coração jorram,
enquanto continuo a pedi-las, fico todavia agarrado à minha cidade,
um dia após outro, um ano após outro, ó cidade, caminhando pelas tuas
ruas,
onde tu me tens acorrentado há tempos, recusando-te a libertar-me,
enquanto, todavia, me dás de comer, enriqueces a minha alma, me dás
rostos;
(oh, vejo fugir tudo o que procurava, e então enfrento, sufoco os meus
gritos,
e vejo a minha alma pisar tudo aquilo que antes pedia.)
(de “Drump-Taps”, versão de Manuel Simões)
Poeta e prosador americano. A sua poética é caracterizada por um certo misticismo panteísta, bases do chamado transcendentalismo. Precursor do Modernismo (cf. Álvaro de Campos, “Saudação a Walt Whitman”). Da sua obra poética: “Leaves of Grass” (“Folhas d’erva”, 1831, última ed. 1891); “Song of Myself” (“O Canto de mim próprio”,1855), “Drum-Taps” (“Rufar de tambor”, 1865), “Passage to India” (1871).