LIÇÃO SOBRE O CAPITALISMO MODERNO – por JÚLIO MARQUES MOTA

Voltamos a publicar este texto, organizado por Júlio Marques Mota, saído a primeira vezem três partes em 7, 8 e 9 de Julho de 2014. É importante a sua leitura como introdução aos textosObama visto do exterior – Aviso ao mundo:  Washington, a sua NATO  e os seus vassalos europeus são loucos, de Paul Craig Roberts, e Obama visto do interior – Como é que Barack Obama poderia acabar com a crise da dívida da Argentina, de Greg Palast, que sairão a partir da próxima quinta-feira, 25 de Setembro.

Uma lição de economia das que não se escrevem nos manuais mas sim nos tribunais: reflexões à volta da Argentina

Parte III

(CONCLUSÃO)

Enquanto Elliott se tornou conhecido como um abutre sobre dívida soberana, a firma é selectiva na determinação de quais os países contra os quais se envolve. Tem uma política de processar apenas as nações em que acredita que podem ter recursos para pagar, de acordo com informações de pessoas bem posicionadas e próximas da firma. O que ele faz, segundo o próprio Elliott, é “ir depois dos maus actores.” No seu esforço para forçar o Congo-Brazzaville a pagar, Elliott descobriu a corrupção que levaria o governo a aceitar um valor estimado em US $ 90 milhões em dívida pela qual Elliott pagou menos de US $ 20 milhões. Alguns estudiosos argumentam que as pessoas em países não democráticos, governados por líderes corruptos não devem sofrer pelos erros dos seus governantes. Chama-se a doutrina de “dívida odiosa”. Um movimento internacional para cancelar toda essa dívida levou o Reino Unido em 2010 a aprovar uma lei que limita as acções judiciais para recuperar as dívidas das nações mais pobres, incluindo o Congo-Brazzaville. Embora não citando explicitamente Elliott, tanto o FMI como o antigo Secretário do Tesouro, Henry Paulson tem deplorado a prática de extrair grandes lucros de países em incumprimento.

Ficando de fora dos acordos de reestruturação, Elliott normalmente ganha mais do que os outros investidores, mas isso não significa necessariamente que os seus pares se queixem dele. “Ter alguém como Elliott lá fora, a descobrir o que os documentos realmente querem dizer, é bom para os mercados,”, diz Hans Humes, cujo hedge fund Greylock Capital Management investe em dívida soberana em dificuldade mas não vai no caminho de Paul Singer, de ficar de fora dos acordos.

neoliberais - VII

Mas Paul Singer passa pela Europa não apenas por Bruxelas e pelo pobre juiz que validou tudo isto, Paul Singer passa também pela crise do euro. Vejamos o que nos diz Fortune:

O maior desafio quanto à estratégia de dívida soberana de Elliott até agora é a que foi aplicada contra a Argentina. Depois de que o país deixou de pagar a sua dívida em 2002, Elliott foi um, o mais importante deles é certo,  de uma minoria de accionistas que se recusou a aceitar a oferta do governo de menos de 30 cêntimos por dólar de dívida. Elliott ganhou vários processos contra a Argentina em numerosos tribunais, mas foi incapaz de conseguir obter muito dinheiro com isso. O Federal Reserve de Nova York não libertava os activos do banco central da Argentina, e o departamento do Tesouro dos EUA alinharam com o FED. Elliott pediu a intervenção do Supremo Tribunal dos Estados Unidos.

Em Fevereiro um tribunal de New York decide a favor de Elliott e torna mais provável que este agora se faça pagar ao dizer que Argentina terá que fazer pagamentos pro rata a Elliott cada vez que paga aos accionistas que participaram no acordo de troca de títulos com o governo da Argentina, o que foi feito com a reestruturação da dívida soberana deste país. A Argentina apelou desta decisão. Elliott levou igualmente a questão ao Congresso, fazendo lobing para que se crie a legislação que exerça pressão sobre a Argentina para pagar aos seus devedores.

As tácticas legais implacáveis de Paul Singer projectaram uma enorme sombra sobre a reestruturação da dívida soberana da Grécia. Não é por acaso que a empresa de advogados que representa Grécia — Cleary Gottlieb Steen & Hamilton — é uma das que representa igualmente a Argentina na sua luta contra Elliott. “ Elliott aterroriza os gregos,” diz um investidor que acompanhou de perto as negociações sobre a dívida grega.

Na esperança de evitar uma batalha como a que se passa com a Argentina sobre as reservas do banco Central, a oferta de troca de títulos gregos especificamente afirma que aquele papel não poderá  ser utilizado para repagar dívida, nem poderá  servir para comprar seja o que for que possa ser considerado como património cultural da Grécia. Depois, há a cláusula de acção colectiva, uma cláusula que a Grécia inseriu nas novas obrigações. Uma vez que dois terços dos detentores de títulos aceitaram o acordo, todos os outros são obrigados às mesmas condições. A emissão de títulos da Argentina não tinha tal disposição nos seus folhetos explicativos. Embora haja algum ruído sobre os hedge funds que detêm títulos gregos emitidos em moeda estrangeira, tentar extrair mais dinheiro da Grécia é um autêntico tiro no escuro. Elliott ainda não tomou nenhuma posição contra a reestruturação da dívida grega, de acordo com uma fonte muito próxima da empresa. No ano passado… em vez disso terá ganho dinheiro com a Grécia através da negociação em CDS sobre a dívida grega. E a conclusão é simples, Paul Singer não lutou contra a reestruturação da dívida pública da Grécia, não, em vez disso, Paul Singer terá colaborado fortemente para que a Grécia fosse obrigada a entrar em reestruturação. Há sempre várias vias de ganhar dinheiro desonestamente. Singer escolheu a via de menor custo, a de especular com CDS que é o equivalente às vendas a descoberto, como bem o demonstrou Soros, e como estamos cansados de o explicar.  Mas as vendas a descoberto praticamente nunca foram proibidas na Europa mesmo no auge da crise, salvo um período muito curto por causa de uma rumor provocado por uma leitura deficiente  feita por um inglês de um artigo do Le Monde  e nunca foram proibidas porque pelos neoliberais que campeiam nos governos, nas organizações, nas Universidades, o short selling é um meio de tornar transparentes os mercados financeiros!

Mas Elliott pode bem encontrar outros investimentos na Europa. “Nós não pensamos que a crise acabou, nem de longe de perto” escreveu Paul Singer no final de 2011, considerando o euro “uma experiência falhada” Observa Singer: “No meio do perigo escondem-se as oportunidades e frequentemente alguns dos negócios mais rentáveis germinam em tais períodos de tumulto nos mercados.”

Sentimos-nos esclarecidos quanto a este personagem, sentimos-nos esclarecidos com a lógica de todo o poder aos mercados mesmo com estes disfuncionais como tem sido praticado pela Comissão Europeia, sentimo-nos esclarecidos mais uma vez com o sentido a dar às políticas de forte austeridade impostas por Bruxelas, sentimos-nos esclarecidos pelo ensino universitário que é feito por todo o lado quanto à eficiência dos mercados. A lição é fácil de tirar. Tirem-na então.

Uma montagem feita a partir de textos da Fortune, da Bloomberg, da Reuters, e em especial do site Mother Jones, de um artigo de Peter Stone intitulado,  This Vulture-Fund Billionaire Is the GOP’s Go-To Guy on Wall Street.

Ver:

http://www.motherjones.com/politics/2013/07/paul-singer-elliott-republican-fundraiser

________

Para ler a Parte II deste trabalho de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2014/09/23/licao-sobre-o-capitalismo-moderno-por-julio-marques-mota-5/

 

 

Leave a Reply