NÃO HÁ SÓ MÁS NOTÍCIAS – A ÁGUIA-PESQUEIRA ESTÁ DE VOLTA

A águia-pesqueira-comum (Pandion haliaetus), uma ave da ordem dos Falconiformes, família dos Accipitreídeos, é a ave de rapina mais bem especializada entre as que se alimentam de peixes, pois toda a sua anatomia está adaptada à pesca com especial incidência nas patas longas e fortes, garras que não deixam escapar os peixes mais escorregadios. A sua distribuição geográfica era ainda há três décadas muito abrangente, cobrindo praticamente todas as áreas costeiras do planeta. Em Portugal, a águia pesqueira era uma espécie comum sendo  em alguns pontos da costa designada por “guincho”. Com o crescimento demográfico, o desencadear da exploração turística e com o consequente excesso de ocupação humana, a sua população, de três dezenas de casais no princípio do século XX, passou a ser de dois casais nos anos 1970 e apenas de um nos anos 1990. Com a morte da última fêmea nidificante, em 1997, o macho andou pelo litoral alentejano até 2002, ano em que foi avistado pela última vez.

No litoral alentejano foi avistado há semanas atrás um casal em rituais de acasalamento, sinal de que a águia pesqueira poderá estar a nidificar de novo em Portugal. As coisas não acontecem por acaso – nos últimos quatro anos, 40 juvenis de águias pesqueiras vindos da Finlândia e da Suécia foram libertados nas margens da albufeira do Alqueva. Após um período de adaptação, desapareceram, como, aliás, era previsível – “Elas dispersam-se e tendencialmente vão para a África Ocidental, onde passam dois ou três anos. Se sobreviverem, tendem a regressar às áreas para onde foram transferidas e libertadas, para se reproduzirem”, explica Luís Palma, coordenador científico do projecto de reintrodução, dirigido pelo Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio), da Universidade do Porto, e financiado pela EDP. Em 2012, um ano após a libertação das primeiras aves, Luís Palma levou um ornitólogo estrangeiro, membro do conselho consultivo do projecto, a conhecer o sítio onde o último casal nidificante de águias pesqueiras costumava estar. O ninho, que depois do abandono pelas águias foi ocupado por cegonhas, ainda estava no mesmo ponto. “Mas não havia nada”, diz Palma.No ano passado, em Setembro, o biólogo voltou ao local, com a mesma intenção de mostrá-lo a outros participantes do projecto. Mas desta vez, encontrou algo diferente, um ninho que já não era o mesmo e que decididamente parecia ser de uma águia pesqueira. “É mais compacto e normalmente está cheio de lixo, que elas trazem do mar”. No princípio de Abril deste ano, lá estava um casal de águias pesqueiras, em pleno flirt. Para conquistar a fêmea, o macho usa manobras de de atracção, tais como persegui-la a transportando um peixe em pleno voo, um presente e uma prova da sua destreza. No final de Abril ainda estavam no local, mas a fêmea não estava a incubar. Não se sabe se vamos ter a primeira águia pesqueira nascida em Portugal desde há duas décadas. Segundo parece, nenhuma das duas aves pertence ao grupo que foi libertado no Alqueva, nem às 125 que já foram soltas na Andaluzia e às 23 no País Basco nos últimos dez anos. Estão identificados por duas anilhas, uma em cada pata. As águias avistadas não tinham nenhuma.O mais provável é que aquelas aves sejam de outras populações, como as que passam por Portugal durante as migrações. Mas o que as terá incentivado a cá ficarem foi possivelmente a presença de outras águias pesqueiras, das que foram libertadas e que já andarão de novo por cá.“As águias pesqueiras são relativamente sociais. Umas atraem outras. Como há mais animais a circular, passam a achar a região interessante”, diz Luís Palma. Em Espanha, já há 15 casais a nidificar. Fixar casais em Portugal representará uma inflexão na tendência que fez a ave desaparecer da litoral do país.

Nem sempre as previsões mais catastrofistas se cumprem. Preocupações dos ambientalistas, anunciando como inevitáveis as rupturas do equilíbrio ecológico, podendo as previsões ter sustentabilidade científica, por vezes não contam com uma importante variável – o poder da natureza, com a força imensa com que a vida é preservada através de caminhos imprevisíveis. Exemplar é a história das colónias de flamingos que se previa que com a construção da ponte Vasco da Gama deixassem de nidificar naquela área do Tejo. Pois os numerosos pilares da ponte foram utilizados  por aquelas aves elegantes e belas para proteger os ninhos. A colónia de flamingos é hoje consideravelmente maior do que há vinte anos atrás. Mas, mais uma vez, as coisas não acontecem por acaso. Maria José Costa, directora do Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explicou numa entrevista ao jornal Público que, no Tejo,  “podemos afirmar que a melhoria das condições ambientais resultante da diminuição da poluição é devido quer à redução do excesso de matéria orgânica pela entrada em funcionamento de várias ETAR, quer à diminuição da contaminação resultante de actividades industriais pesadas; o que potencia a instalação de novas espécies e o aumento do número efectivo já existente, sendo isto válido para todas as espécies, inclusive as de peixes”.

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