CONTOS & CRÓNICAS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – INAUGURAÇÃO SOBERANA SUBMARINA – por CARLOS REIS

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Na Base Naval de Lisboa, no Alfeite, Santos Silva fez a “exortação” da visibilidade: “Continuemos a fazer a demonstração pública da necessidade de manter a capacidade submarina nas Forças Armadas Portuguesas. Esta demonstração tem de ser sensata e racional e, para lá da espuma dos dias, deve e tem de ser feita publicamente.”

Ainda que de forma relativamente furtiva e sem entrar em pormenores, os responsáveis políticos e militares lá foram explicando as potenciais missões que uma “plataforma” como o Tridente pode realizar para benefício do país. Em termos militares, o Ministro da Defesa explicou que o submarino pode ser parte integrante do “apoio a forças expedicionárias e protecção dessas mesmas forças”, dando como exemplo o destacamento do submarino para missões de “gestão de crises” ou de “natureza humanitária”.

(Dos jornais)

 

Nunca pensei em assistir a uma cerimónia tão tocante (sim, porque eu estive lá, não é como vocês que só vêem televisão, que vêm tudo pela televisão) onde até o Boris Vian foi citado, ele, que de certeza jamais teria penetrado alguma vez na sua vida dentro de um submarino, ele que apenas mergulhou em caveaux de jazz, importantes locais que vão muito mais ao fundo e comportam muito mais gente que estas fantásticas panelas de pressão alemãs, ora adquiridas.

Eu creio, aqui para nós, que se tratou também de uma questão de poupança, o que só é de louvar, nestes tempos de crise e contenção. Refiro-me à “visibilidade” ministerial. Sabe-se lá quanto é que gasta um submarino aos cem, ainda por cima debaixo de água, que é quase como ir a subir uma ladeira. Se calhar sempre em segunda ou coisa no género. E até podia ser perigoso, dada a falta de visibilidade (lá está!) do nosso poluído Tejo. Foi muito melhor assim.

Muito bom senso – foi mas foi o que imperou, em tão importante quanto singela cerimónia. O Ministro falou em “forças expedicionárias” o que me perturbou e sensibilizou, dado que esta elegante expressão haveria de lembrar-me passados meus, também eles venturosos, quando estas personagens (eram outras mas o espírito é o mesmo, felizmente) me ofereceram uma viagem absolutamente graciosa, lá para o sul do Equador, em que fiz parte dessas mesmas forças expedicionárias e expeditas, numa expedição de turismo rural como já não se pratica hoje em dia. Além de que aquela expressão é um clássico, já se usava na Primeira Grande Guerra, a de 1914/18, como pode constatar quem tem os mínimos histórico-escolares. Havia até um Corpo Expedicionário Português e um Ministério da Guerra – hoje tudo isso reduzido a uma coisa qualquer dos “negócios estrangeiros”, já sem aquela força, sem aquela garra, sem aquele glamour de outros tempos e terminologias, é verdade.

O Ministro falaria ainda, convictamente, em missões de “gestão de crises” e de “natureza humanitária” – coisa de que não podeis fazer ideia do que são, uma vez que só vedes televisão, despatriotas que sois. Creio mesmo que a primeira (e secreta) missão submarina terá a ver com a Crise, justamente a que atravessamos – crise essa de natureza também submarina, a maior parte dela, como alguns de nós suspeitam, donde a importância do batiscafo. E quanto à natureza humanitária de muitas missões possíveis e submersas, é um bom augúrio, estamos todos de parabens: os fogos, os deslizamentos, as derrocadas, as inundações – estas quanto maiores, melhores, dado que o submarino tem um enorme calado, com certeza e nunca nós, os que assistíamos, lhe pudemos enxergar a parte submersa. Mas se for como os icebergs, então sim, estamos de parabens, o país está de parabens, aquilo ainda é maior que a nossa pobre e plebeia imaginação suspeitava.

(Não sabia que afinal percebia tanto destas coisas da navegação. Se tivesse estudado podia hoje ser ministro do mar, ou do rio, de um afluente que fosse, estar enfim por ali, a brincar às batalhas navais).

Logicamente a ideia inicial seria inaugurar o submarino debaixo de água, que é para isso que ele serve e foi concebido, aí talvez a uns 50 ou 100 metros de profundidade, mas para lá da contenção e da visibilidade de que falámos, o mau tempo foi impeditivo e depois ninguém via nada, era uma frustração, além de que haveria certamente um coro de protestos das alforrecas e dos mexilhões da zona, vilipendiados que se sentiriam no sossego habitual do seu habitat e ainda teríamos de aturar os tipos da Quercus.

Carlos

9 de Setembro 2010

O Carlos Reis escreveu esta crónica há já alguns anos, mas ela (a crónica…) continua muito actual. Os submarinos continuam na mesma (perdão, um pouco mais velhos e gastos). Quanto é que já terão custado ao orçamento, isto é, a todos nós? Os personagens, intervenientes, esses, continuam por aí. O CDS entretanto parece que quer o vídeo da internet. Será para que não se fale do assunto?

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