Carta do Rio – 95 por Rachel Gutiérrez

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Hoje escrevo sobre um retrato falado. Não o de alguém que, graças à descrição de quem o viu, ou conhece, vai sendo desenhado por um perito da polícia, e cujas feições, pouco a pouco ganham vida e  tornam-se cada vez mais precisas nos casos em que se deseja identificar um fugitivo ou desaparecido. Quero me referir ao “retrato” de alguém, cuja fala grampeada pela Polícia Federal revelou o que em geral permanece na sombra, ou escondido, como “O Retrato de Dorian Gray”, do famoso romance de Oscar Wilde, ou como o Mr Hyde, de “The strange case of Dr. Jekil and Mr Hyde”, do não menos famoso “O médico e o monstro”, de Robert Louis Stevenson.

Pois a série de gravações tornadas públicas pelo juiz da Operação Lava Jato, uma vez quebrado o sigilo da investigação sobre o ex-presidente,  revelaram o verdadeiro Luiz Inácio Lula da Silva, que ora se encontra no meio de um redemoinho político provocado pela tentativa da presidente Dilma Rousseff de acobertá-lo no Palácio do Planalto, nomeando-o ministro da Casa Civil, o que lhe garantiria foro privilegiado para escapar da prisão em primeira instância.

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No dia 17 aconteceu, portanto, não sem alguns percalços, a cerimônia de posse de Lula e de outros três ministros: o da Justiça, o da Secretaria da Aviação Civil e o do Chefe de Gabinete Pessoal da Presidente da República, até então ministro da Casa Civil, (Jacques Wagner) que cedeu seu espaço para Lula, mas ganhou um esdrúxulo status de ministro na chefia do gabinete.

Os percalços têm a ver com um deputado que, antes da presidente começar seu discurso, gritou Vergonha! várias vezes e foi expulso do recinto; com o próprio discurso de Dilma em tom de comício de campanha, exaltado e agressivo, enquanto manifestantes no lado de fora do palácio também gritavam contra o ato e contra a presidente; e com as ausências ostensivas do vice-presidente, Michel Temer e do presidente do Senado, Renan Calheiros.

Mas algo gravíssimo já havia acontecido na véspera: após o anúncio de que Lula seria empossado na quinta-feira 17, quando o país já admitia que teria de engolir a farsa da nomeação de Lula como o plenipotenciário salvador do governo, a mídia divulgou uma conversa telefônica extremamente comprometedora entre Dilma e Lula, na qual a presidente diz estar enviando ao ex-presidente o termo de posse para ser usado “em caso de necessidade”.

Daí em diante, várias outras gravações que vieram a público completam o blow up da figura de Lula. E ele sai muito chamuscado. Miriam Leitão, em seu artigo (O Globo) de sábado, 19, justamente sobre “o retrato falado”, diz: O telefonema para o ministro da Fazendo, por exemplo, é um dos absurdos. Ele queria usar a Receita Federal em seu favor e contra supostos inimigos. E pouco adiante, após mencionar o palavreado chulo que o caracteriza:  O problema não são os maus-modos do ex-presidente, mas sim as tentativas de uso do Estado em seu proveito e proteção.

Já na sexta-feira, 18, o Decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, indignado com a revelada afirmação de Lula de que a Corte estava “totalmente acovardada”, respondeu num discurso:  Esse insulto ao Poder Judiciário traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo do seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio, pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes.

E são justamente “a mente autocrática”, a arrogância e a irresponsabilidade que transparecem no que diz, em seu linguajar chulo e extremamente desagradável, aquele que Obama chamou de the man, quando seu carisma incontestável conquistava os políticos do mundo e as multidões do Brasil. Agora, tem-se a impressão de ouvir o esbravejar de um delinquente juvenil como, por exemplo, na gravação em que recomenda que seus “peões” recebam com “porradas” os eventuais “coxinhas” (apelido dos manifestantes antigoverno) que forem protestar diante de sua casa em São Bernardo.  Em outra gravação, diz que é o único homem capaz de “incendiar o Brasil”, mas que “não quer ser Nero”.  Na verdade, bem que ele gostaria, somos forçados a concluir. Pois ele incita as desavenças e insufla a violência, como voltou a fazer em discurso no palanque das manifestações pró-governo do dia 18. Ali, oscilou entre o Lulinha-paz-e-amor de antigos comícios e o exaltado sindicalista dos anos 80 do século passado, que fala mal dos capitalistas, da elite branca e de toda esta imensa direita fascista, que recentemente encheu as ruas de quase 400 cidades do país para se manifestar contra a corrupção, contra o lulopetismo e contra Dilma.  E ali, então, sua linguagem soou datada, anacrônica. E só convenceu os antigos “peões” já convencidos, ou anestesiados, além dos que teimam em não acordar.

Que “direita” é essa que vai para as ruas pacificamente, que não prega golpe algum, mas apenas protesta contra tudo que as promessas não cumpriram, contra os desmandos e a roubalheira, contra as mentiras, as manobras e as fraudes dos que só sabem lutar para permanecer no poder a qualquer custo? É o povo inteiro que deve ser chamado de “golpista” e de “nazista”?

Infelizmente, como diz Fernando Gabeira, ( O Globo, 20/3) algumas pessoas, militantes e intelectuais, continuam achando-o o caminho do futuro e classificando de reacionário quem se opõe a um projeto criminoso de poder. As hostes petistas receberam ordens claras para achincalhar os adversários e intimidar os procuradores e policiais da Lava-Jato.

E eu não posso deixar de registrar outro achincalhe, denunciado também por Gabeira em seu artigo de domingo, quando se refere à gravação na qual Lula menciona o dia em que a polícia invadiu a casa de sua antiga e fiel colaboradora Clara Ant. Lula disse que ela deve ter achado um presente de Deus tantos homens entrando pela porta. Dilma riu. Dilma, a presidenta, a mulher símbolo de uma conquista feminina, ri das piadas machistas desde que contadas pelo seu chefe.

E não é apenas nessa gravação que Lula demonstra desprezo e desrespeito pelas mulheres. Lula, aliás, demonstra desprezo e desrespeito por qualquer um que não esteja do seu lado ou ao seu serviço.

O retrato falado das gravações reverbera o estrondo da queda de um ídolo.

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