Hoje quero lembrar meu amigo Marco Aurélio Matos, sobre quem já escrevi aqui na data aniversário do poeta Paulo Mendes Campos, que lhe foi muito chegado.
Contei que Marco Aurélio costumava receber aos sábados, no Leblon, para o que ele mesmo talvez considerasse, com irônica alegria, “saraus lítero-musicais”. Também mencionei sua única coletânea de contos publicada pela Editora Codecri, em 1982. E é dessa pequena grande obra que desejo falar agora. O difícil é resistir à tentação de transcrever contos inteiros de uma joia de realismo fantástico e de humor altamente sofisticado, que parece beirar o nonsense, mas que se impõe com uma lógica absurda, implacável, irresistível.
O título do primeiro conto e do livro – AS MAGNÓLIAS DO PARAÍSO – já está “explicado” nesta epígrafe geral de mineirice deliciosa:
Vou repetir para vocês o que ouvi de meu avô, – há muitos anos, homem sábio – ele dizia para nós, lá em casa, que os humanos no Paraíso (acho que Adão e Eva) foram arrastados à árvore da ciência do Bem e do Mal por causa das magnólias que havia lá, um bosque bonito, com um cheiro bonito, que levava as pessoas mais para o exterior…
(Trecho de conversa de fim de noite, ouvida na povoada solidão de Minas Gerais, há algumas décadas atrás.)
Quebrando todas as regras, o conto começa com parágrafos numerados como se fosse o tratado científico de um conhecido filósofo.
Vejamos alguns exemplos:
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Uma das grandes falhas da física moderna é proclamar a versatilidade da matéria sem levar em conta a velocidade média do vento.
(…)
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A valsa vienense do tempo de Francisco José I é, indubitavelmente, a precursora da oratória dos parlamentos do Ocidente.
Perdoem-me, mas não posso deixar de reproduzir também o quarto parágrafo porque este trata de personagem por demais caro ao mineiro de Cordisburgo, o autor genial de Grande Sertão; veredas, nosso mestre Guimarães Rosa. Continuemos, portanto, com meu amigo mineiro, de Itaúna:
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O demônio foi visto, certa vez, na Baixa Morávia: vestia-se de amarelo, trazia um losango verde no peito e carregava nas mãos brancamente enluvaradas um tratado sobre construção de pontes. Abandonado ao relento, ensopava-se até os chifres, com a chuva que ali caía.
Parabéns, “fessôra”, quer pela lucidez e coerência do texto-como rotineiramente-, quer pela escolha do tema.
Obrigada!
Desejo deixar claro que o parágrafo de número 4, nas citações do conto As Magnólias do Paraíso termina em “…o charuto em sua chama”. E que o excerto do conto Nossa vizinha da mala deveria estar entre aspas ou em itálico. Falha minha.