O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 10. ATENTADOS: PORQUÊ ANCARA? por MICHEL LHOMME – I

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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Michel Lhomme, politólogo, Attentats: pourquoi Ankara?02594

Revista Metamag, 18 de Fevereiro de 2016

Um atentado de automóvel armadilhado que visa um comboio militar fez pelo menos 28 mortes e 61 feridos na quarta-feira à noite em pleno centro de Ancara, num país agitado desde há vários meses pela violência jihadista, pelo retomar do conflito curdo e pela guerra civil na Síria. Para esclarecermos a situação devemos ir atrás e debruçarmo-nos sobre o que se passou nestas últimas semanas em redor de Alepo.

Mas de facto na Síria: quantos soldados Franceses lá estão?

Neste início de ano de 2016, quase 34.000 militares franceses são em operações de combate ou em missão. Entre estes, 13.000 estão colocados em França: 10.000 na missão de luta contra o terrorismo, Sentinelle, enquanto 1.500 asseguram de forma  permanente a salvaguarda marítima e 1.000 outros estão colocados permanentemente na segurança aérea. Além disso, quase 10.000 militares  estão  nesta altura colocados em operações externas (Opex), enquanto que 7.200 soldados fazem parte das forças de soberania colocados nos cinco departamentos ultramarinos (Guadalupe e Martinica nas Caraíbas, Guiana francesa na América do Sul, na Reunião e em Mayotte no Oceano Índico) e nos cinco territórios ultramarinos (Saint Pierre, Miquelon no Atlântico Norte, na Polinésia francesa e Wallis-et-Future no Pacífico, Saint-Barthélemy e Santo-Martin nas Caraíbas). Sem estar a esquecer, no Pacífico, a Nova Caledónia, que goza de um estatuto especial, a exemplo das Terras austrais e antárcticas francesas. Além disso, 3.800 soldados estão colocados em forças preposicionadas na África (Jibuti, Senegal, Costa de Marfim e Gabão) e nos Emirados árabes Unidos. Oficialmente, não temos nenhum soldado em terra na Síria.

A operação Chammal é o nome dado desde o dia 20 de Setembro de 2014 à participação das forças armadas francesas na coligação contra o Estado islâmico aquando da guerra do Iraque. Este nome designa em árabe um vento do norte Iraquiano. É assim oficialmente desde Setembro de 2015, mas na realidade desde bem mais cedo e isto já foi testado em 2012: a operação Chammal é alargada ao território sírio para “neutralizar” (gíria militar) os campos de treino do I.E. (Estado Islâmico). No mesmo momento, Laurent Fabius, o Ministro dos Negócios estrangeiros evocava oficialmente a vontade francesa de combater até a sua eliminação final o regime sírio de Bachar El Assad. É, por conseguinte, desde Setembro de 2015 que além de tomar de parte nas operações aéreas no Iraque, e enquanto que a França sempre oficialmente tenha excluído qualquer intervenção interna na Síria, os soldados franceses como por exemplo as forças especiais do 1° RIMA de Angoulême operam em terra sobre o território sírio e fora de todo de qualquer quadro legal.

Com efeito, a França participa desde Setembro de 2015 numa coligação dirigida pelos Estados Unidos com o apoio de cinco países árabes, oficialmente contra as posições do Estado Islâmico na Síria, grupo rebelde radical que deseja a destituição de Bachar El Assad. A abertura desta segunda frente (a primeiro é a do Iraque) fez-se num contexto totalmente diferente da intervenção sobre a frente iraquiana. Não houve debate parlamentar e quase que se poderia dizer o mesmo quase quanto à concertação política ao mais elevado nível do Estado entre o Ministério dos Negócios estrangeiros, obedecendo quase a tudo o que era ordenado por Washington e o Ministério da Defesa era forçado a seguir as políticas e a enviar tropas de terra sem mandato claro mas sobretudo sem nenhuma legitimidade.

Com efeito, no Iraque, o governo de Bagdad tinha solicitado a ajuda da comunidade internacional para lutar contra o progresso dos jihadistes sobre o seu território, o que conferia um quadro legal aos ataques aéreos e ao envio de soldados franceses. Não é absolutamente este o caso na Síria. Interrogado várias vezes, o chefe do Estado nunca quis confirmar ou desmentir eventuais presenças de soldados do exército francês sobre o território sírio mas nos confirmámo-lo apesar dos desmentidos oficiais. François Hollande de resto tinha reconhecido discretamente no início do ano a presença de forças especiais francesas na Síria: “Fui coerente desde o início ao dizer que não íamos  combater como nós o fizemos no Iraque com batalhões e ocupações. Isso não resolve o problema”, mas para sublinhar rapidamente que uma delegação das forças especiais irá efectuar acções “de formação, de conselho e de assistência” junto dos rebelde ditos “moderados” que se opõem ao mesmo tempo a Bachar el Assad e o Estado islâmico.

No caso da Síria, a situação da intervenção francesa sobre o terreno é complexa, porque a coligação efectuada pelos Estados Unidos não se apoia nem sobre um pedido formulado por um poder legítimo, nem sobretudo sobre um mandato da O.N.U, o que é mesmo pior do que aquando da intervenção na Jugoslávia. Certamente, a coligação nacional síria apelou a um apoio militar internacional contra o I.E. na Síria desde meados de Agosto. Mas esta instância é reconhecida como “representante legítimo do povo sírio” apenas pelo Conselho de cooperação do Golfo, pela União Europeia e pelos Estados Unidos e é mais uma instância de oposição constituída peça a peça  para lutar contra o governo sírio oficial. O seu pedido não poderia por conseguinte justificar em nenhum caso uma operação militar. Respeitadora da sua soberania e consciente obviamente de que está em jogo saber para quando o seu derrube político, o regime de Bachar Al-Assad rejeitou além disso firmemente qualquer ideia de uma intervenção internacional contra o I.E. sobre o seu solo. Os nossos soldados intervêm por conseguinte sobre o território sírio em total ilegalidade. Não têm de imediato – adivinha-se- uma tarefa fácil e o Estado-maior sabe-o porque este tipo de intervenções aparenta-se para os campos opostos a operações “de bandidos”, operações que se pagam extremamente caras, mais cedo ou mais tarde, em política internacional quando os peões ou as alianças se invertem. Em face desta “ilegalidade” que é o alargamento da operação Chammal na Síria, como é que se  desembaraça finalmente a França sobre o terreno?

Como já  tinha feito em parte na Jugoslávia, a França  acaba por justificar as suas intervenções e as suas operações por “razões humanitárias”. Trata-se oficialmente de invocar “a responsabilidade humanitária de proteger” a população síria contra as exacções do I.E., enquanto que o objectivo subjacente é o de derrubar o regime sírio e o Ministério dos Negócios estrangeiros é evocado claramente por toda a parte e não se engana toda a gente. Os soldados franceses vão por conseguinte, é verdade, recuperar feridos nas ruas de Alepo… Não disparam, quase não têm cartuchos  que lhes cheguem mas vêm realmente tratar à sua maneira dos bombardeamentos russos. Reencontram-se por conseguinte como na Jugoslávia e como por vezes no Afeganistão entre o ferro e a bigorna, selando de facto a coordenação anti-russa com as forças americanas que, elas, os obrigam a disparar. Para estes  homens, a situação não é fácil e é por assim dizer uma situação esquizofrénica porque é necessário também escrevê-lo, aqui a Rússia em Alepo, é coisa pesada, muito pesada. Quer seja pelos bombardeamentos regulares ou pelas intervenções dos soldados russos colocados no solo, os Russos não andam a fazer  rendas ao ponto de resto de surpreenderem pela sua determinação as forças americanas que parecem em plena campanha eleitoral estar a privilegiar sem razão a contenção da situação de crise. Os soldados franceses por conseguinte são apanhados entre dois fogos: os Americanos que querem empurrá-los para que façam em certa medida o trabalho em seu lugar (os soldados franceses estão entre os melhores do mundo) e a Rússia que não faz garantidamente nenhum presente, sobretudo não à França de quem ela conhece efectivamente os limites (o facto já que a presença de soldados franceses sobre o terreno seja escondida da opinião pública é para ela uma vantagem de encanto!). Em todo caso, o que é bem certo, é que os nossos soldados não andam a atacar de forma alguma o Daesh, o que não passa de uma esperteza parola destinada aos meios de comunicação social ocidentais como o fez a seu tempo Al Qaida. A presença militar no solo dos nossos soldados de elite é, por conseguinte, bem claramente posicionada numa coligação que se pode qualificar de anti Putin e anti Assad e se o exército do ar tiver feito algumas incursões na Síria sob a forma de ataques aéreos muito curiosamente orientadas ou mesmo anunciados contra o I.E., , em suma eles terão tido basicamente um objectivo espectacular e mediático, fazer de modo que a voz da França se possa fazer ouvir no que diz respeito, mais tarde, ao futuro da Síria à mesa das negociações. Acontece que em Alepo, os soldados franceses estão na verdade num campo mas será que a Nação o sabe realmente?

(continua)

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Ler o original em:

http://metamag.fr/2016/02/18/attentats-pourquoi-ankara/

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