MIA COUTO: “AS MULHERES DE CINZA”

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Primeiro livro da trilogia As Areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane (ou Gungunhane, como ficou conhecido pelos portugueses), o último dos líderes do Estado de Gaza – segundo maior império no continente comandado por um africano.

Nele vemos, em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo que foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para a batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Ali o militar encontra Imani, uma garota de quinze anos que aprendeu a língua dos europeus e será sua intérprete. Ela pertence à tribo dos VaChopi, uma das poucas que ousou se opor à invasão de Ngungunyane. Acontece que um de seus irmãos lutava pela Coroa de Portugal e o outro se unia ao exército dos guerreiros do imperador africano.
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Mas vejamos as palavras do autor:

 “A estrada é uma espada. A sua lâmina rasga o corpo da terra. Não tarda que a nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes, um mapa feito de tantos golpes que nos orgulharemos mais das feridas que do corpo intacto que ainda conseguirmos salvar.

Quando dali tentava escapar, escondido num pequeno barco, o Ribeiro foi capturado e morto. Executaram-no em público, quebrando-lhe o pescoço. O que fizeram as autoridades portuguesas em resposta a esse ultraje? Ignoraram o assunto. O seu sucessor na governação apresentou desculpas antecipadas ao rei Zulu, argumentando que a colónia estava pobre e os cofres vazios de Lisboa não permitiam pagar os impostos ao imperador Zulu. Posturas de cobardia como esta apenas legitimam a pretensão imperialista dos ingleses em provar que Portugal não tem condição para governar suas colónias africanas. Não sei se odeio mais a ambição inglesa ou a vergonhosa submissa das nossas autoridades”. [pág. 83]

“Talvez tenha sido por isso que parti em socorro na nossa honra e defendi o uso de tradutores como nossa política nos territórios africanos. Falar e fazer falar português fazia parte da nossa missão civilizador. Sempre acintoso, o cantoneiro advertiu sobre a ingenuidade de confiarmos nos tradutores. A mesma fatal credulidade nos fazia distribuir armamento entre os cafres que tínhamos por nossos aliados. A sentença do desvairado merceeiro não podia ser mais trágica: ‘Havemos de ser mortos com as mesmas espingardas que colocarmos nas mãos deles. E a ordem de matança será dada em português, na língua que colocamos na boca deles.’”[pág. 103]

“Na verdade, Excelência, eu não adoeci em África, como todos os demais. Eu adoeci de Portugal. E minha doença não é senão o declínio e a podridão da minha terra. Eça de Queiroz escreveu ‘Portugal acabou’. Ao escrever essas palavras diz ele que lhe vieram lágrimas aos olhos. É essa a minha e a sua doença: a nossa pátria sem futuro, vazada pela ganância de um punhado, dobrada sob os caprichos da Inglaterra. “[pág. 315]

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