CARTA DE VENEZA – A CIDADE E AS CRIANÇAS – por Vanessa Castagna

carta de veneza

Vem esta carta a propósito de uma iniciativa a decorrer entre 30 de setembro e 9 de outubro em vários locais da cidade de Veneza, tanto no centro histórico como na terra firme: Dritti sui diritti – Una città per i bambini e i ragazzi. O programa bastante rico visa promover o conhecimento e o debate sobre os direitos dos mais novos, mediante exposições, apresentações de livros, espetáculos, workshops, desporto, atividades lúdicas, música e arte em geral.

O objetivo principal da centena de entidades públicas e privadas envolvidas na organização, com efeito, é favorecer cada vez mais o empenho dos adultos em prol do exercício dos direitos por parte das crianças e dos jovens. Nesta 4ª edição do evento destacam-se três direitos em particular: o direito a ser-se ouvido; o direito a expressar-se; o direito a viver, frequentar e habitar plenamente a cidade.

Este último direito faz especialmente sentido numa cidade como Veneza, onde a pressão mercantilista procedente doa-cidade-e-as-criancas turismo de massas parece ter como consequência inevitável a expulsão da população residente, ou seja, sobretudo, famílias comuns e crianças. Lembrar-se de promover os direitos das novas gerações na sua relação com o espaço urbano e o tecido citadino é fundamental para tentar garantir um futuro autêntico ao centro histórico desta cidade, numa altura em que parece ter enveredado por um caminho inelutável. A maior parte das atividades ligadas aos moradores desapareceu nos últimos 35 anos ou converteu-se em negócio turístico. O número de residentes continua a diminuir, tanto que nestas últimas décadas se perderam cerca de trinta mil habitantes e com eles o comércio à medida das suas necessidades, os cinemas, as livrarias, as lojas de artigos infantis etc.

Até mesmo por conformação, a cidade não é um lugar fácil para ter filhos, sobretudo enquanto ainda precisam de um carrinho; cada ponte transforma-se numa barreira arquitetónica, ainda que magnífica, e os elevadores são mais que raros. Mas ser criança aqui tem um encanto que provavelmente nenhuma outra cidade pode proporcionar, porque não há carros e as crianças podem reunir-se nos campi e correr, brincar, jogar à bola, andar de bicicleta – e muito mais – num microcosmo sem perigos. As crianças crescem rodeadas de beleza estonteante, cada pedra quase é uma obra-prima, cada deslocação é medida pelo tempo dos passos e as pontes a atravessar, tudo tem a proporção do ser humano.

Em Veneza, como em todos os lugares do mundo, as crianças deveriam ter o direito a uma cidade acessível, a encontrar pessoas, a relacionar-se com o mundo, podendo manifestar as suas opiniões sobre assuntos que, evidentemente, também lhes dizem respeito.

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