EDITORIAL -O povo apoiou a República?

Imagem1

Hoje, 107 anos após a proclamação do regime republicano, colocamos a questão – a República  gozava de grande apoio popular ou foi um movimento de burgueses – licenciados, comerciantes, intelectuais, artistas, estudantes? Sem estatísticas fidedignas, torna-se difícil apoiar ou pôr em causa uma e outra tese. Os elementos disponíveis podem ser manipulados em favor de uma ou outra conclusão. Por exemplo – querendo-se demonstrar um amplo apoio, a fotografia (acima)  tirada do telhado de um prédio do  Largo do Pelourinho – mostra um apreciável número de cidadãos. Pretendendo provar o contrário, note-se o pormenor, na foto oficial do içar da bandeira republicana (abaixo), onde se vê o cotovelo da Rua de São Julião, praticamente deserta.

 Imagem2

Os factos – desde o dia 2, um Domingo, Lisboa estava sob fogo cruzado da artilharia naval e das peças das posições de republicanos e monárquicos.Imagem3 Ao tiroteio de armas automáticas e de metralhadoras e canhões, somavam-se as explosões esporádicas de granadas de fabrico artesanal. Os lisboetas estariam, na sua maior parte, metidos em casa. Não havia rádio, nem televisão. Os telefones eram relativamente poucos.  Jacinto Baptista publicou, em edição da Seara Nova (1966), um interessante trabalho, Um jornal na Revolução – “O Mundo” de 5 de Outubro de 1910. Se nos ativéssemos à opinião queImagem4transparece na maioria dos artigos e reportagens, aceitaríamos a tese do apoio amplo. Mas o matutino O Mundo  e o vespertino  A Capital eram jornais republicanos… E o jornalismo em certas situações mistura o relato objectivo com a defesa das ideias do jornal, quando não mesmo as do jornalista.  E mesmo cem anos depois, quem escreve e quem lê não consegue ser cem por cento isento.

 As duas principais cidades do País eram maioritariamente republicanas e esse factor foi decisivo. Num país com 80% de analfabetos, as elites culturais eram também maioritariamente pelo fim da Monarquia. Mas, naturalmente, havia um número elevado de monárquicos mesmo entre os que contestavam a situação existente. Desde as comemorações camonianas de 1880, o ideal republicano vinha-se impondo entre grande parte da população . A cedência perante o ultimato britânico de 1890 foi outro rude golpe no prestígio da instituição monárquica. E para além destes factos, o comportamento displicente de D. Carlos, foi um dos elementos que mais contribuiu para a queda do regime .Muitos monárquicos condenavam a vida de dissipação que o rei levava – amantes, prostitutas, filhos bastardos, gastos ostensivos e sumptuários. Mas tudo isso lhe seria perdoado se a sua conduta como chefe de Estado fosse aceitável. Todos sabemos como as coisas acabaram – com um Regicídio (em que morreu também o príncipe herdeiro) e com a subida ao trono de um jovem que não fora preparado para reinar. Há um livro muito interessante de Joaquim Leitão, «Diário dos Vencidos» que nos proporciona, a nós que quase só conhecemos a perspectiva republicana, uma visão da proclamação da República a partir do campo monárquico.

Leave a Reply