CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – IMPARIDADES E CRÉDITOS MAL PARIDOS

 

 

 

Crédito mal parado. Adoro estas expressões, estes eufemismos tão queridos, quase afrodisíacos, ainda por cima tratando-se de uma coisa afinal tão comum e tão mais que normal e elementar, expressão que ouvimos todos os dias, ditas por quem sabe. Que diabo, ninguém tem já, neste hoje em dia, qualquer hipótese ou dinheiro para pagar o que insensatamente pediu emprestado às modernas casas de prego também conhecidas por Bancos, para comprar casas, automóveis e o “viaje agora e pague depois”  –  para quê fazer disto, desta expressão, uma notícia mesmo que má?  Para quê dramatizar?

Toda a gente, toda a Europa vive disto e com isto, graças ao Sistema e pelos vistos ninguém (salvo os do costume, que também ninguém ouve) tem vontade de o modificar. Nem os que emprestam, nem os que pedem fiado. Deveria haver alguma hipótes de os parar, aos créditos mas estacionados, mas que importância tem isso? Ninguém os multa, apenas se lixam.

Deixemo-los estar. Isto há-de rebentar por algum lado, descansemos, nem que seja por baixo.

Imparidades também é outra magnífica expressão, que assim à primeira vista poderia ter a ver com números ímpares aos montes, ao peso ou aos molhos.

Bem, ao peso e aos molhos parece que é mesmo verdade, tanto assim que já pouco tem de ímpar, de notável, de sem igual ou pouco costumeiro. Pelo contrário, não haverá certamente instituição de crédito (vulgo bancos) que não esteja eivada de coisas que têm a ver com esta espécie de neologismo que afinal não o é. De bens (excelente expressão, também) que valiam uma coisa quando adquiridos, mas depois parece que por falta de compradores ou por qualquer outra sempre discutível e suspeitosa razão segundo algumas más línguas, passam a ser uma coisa negativa, com menos (ou nenhum) valor, o que parece ser contabilisticamente grave, sobretudo do ponto de vista de quem lá foi candidamente depositar as suas poupanças. Há bens que vêm por mal, diz o povo e com razão. Até podemos ter vivido acima das nossas possibilidades (as casas, os carros, os cartões de crédito, as viagens, etc.) mas ninguém nos tira o prazer de morrer abaixo delas.

Claro que aos banqueiros e outros capitalistas – teoricamente responsáveis por estes aparentes desmandos – ninguém os maça, ninguém os chateia, eles explicam tudo, ou procuram explicar que é a Crise (a mundial) que segregou estes activos (esta palavra então, é maravilhosa, de imaginativa) tóxicos (o máximo!) e que portanto e blá-blá-blá não se atrapalham nada, quando candidamente são ouvidos numas coisas chamadas inquéritos parlamentares ou lá que é, onde respondem às cândidas questões dos parlamentares pagos para o efeito. Respondem o que lhes apetece, claro, às vezes até se esquecem de alguma ou outra coisa, coitados – sempre assoberbados de trabalho que estão, é compreensível.

Lá investigados e logo a seguir julgados e presos (inutilidades do passado, coisas fora de moda) é que não são, nós somos muito modernos, muito avançados nestas coisas. Chamamos-lhe democracia e assim.

Na verdade, quando éramos todos pequeninos (excepto os banqueiros e outros empreendedores, que já nasceram quase todos com trinta ou mais anos) e tínhamos um porquinho de barro, com uma fenda no lombo onde poupadamente enfiávamos umas moeditas, sabíamos que quando partíamos o curioso mealheiro para sacar o que lá estava dentro, ou seja, “o nosso” – de uma coisa tínhamos a certeza: os activos eram os mesmos, não tinha havido qualquer especulação por parte do suíno, o crédito continuava ali bem parado e nosso e nada de imparidades à volta.

carlos

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