CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – ALFAMA

 

 

 

“Vão-se embora pra morrer mais cedo”.

Quem o dizia era uma velha senhora, antiga e revoltada habitante de Alfama, ontem, num programa da TSF.

Referia-se ao fenómeno que acontece em Alfama onde uma percentagem de moradores antigos, habitantes de sempre daquele bairro, se vêm obrigados a sair dali, por imperativos próprios de capitalismos rascas, sórdidas maneiras de exploração e ausência de direitos das pessoas.

Sim, é verdade, apesar da Constituição (que mais não é do que uma piedosa lista de intenções) apesar do 25 de Abril (que para muita gente pobre não se notou por aí e além) e sobretudo pela ganância descontraída, desimpedida e mal legislada dos senhorios. Dos malditos senhorios – isto salvo as honradas e raras excepções, naturalmente. Que correm com os inquilinos das suas casas, ao abrigo de leis e regras inconcebíveis, mas pelos vistos existentes e exequíveis. Para as irem a correr alugar aos turistas a preços desmedidos e europeus, com aquela ganância barata, reles e subserviente que nos caracteriza, relativamente ao estrangeiro. Ao bife ao deutsch, ao franciú.

Em Alfama fecham pequenas e populares tascas e abrem-se croissanteries, numa manifestação abjecta do aculturismo que nos caracteriza.

Em três anos parece que abandonaram o bairro cerca de 11% dos seus habitantes, segundo números fornecidos pela Junta de Freguesia, indo muitos deles viver para Cacilhas, possivelmente para casas tão màzinhas como as que habitavam e onde não os deixaram continuar a habitar.

A viver.

São já tantos que tentam reconstruir uma relação afectiva e local entre si, mesmo na romântica Cacilhas, o mais impossivelmente parecida com a de uma vida do e no seu antigo bairro. A ganância é transversal às classes, tanto faz banqueiros e industriais como merceeiros ou senhorios.

Alguém afirmaria ainda, no tal programa, haver um novo verbo: que Lisboa se turistifica. Cada vez mais e sem regras.

É verdade. E de tal maneira, que quando já só houver turistas nos centros históricos da cidade e ela perder de vez toda e qualquer identidade, talvez os turistas, fartos de se cruzarem apenas uns com os outros, se vão embora para outras capitais (ainda) mais baratas e países (ainda) mais subdesenvoltos.

Carlos

1 Comment

  1. ” Alguém afirmaria ainda, no tal programa, haver um novo verbo*:* que Lisboa se *turistifica*. Cada vez mais e sem regras.”-infelizmente ,tanto que me sinto estrangeira de outro planeta.

    Maria

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