Mais além dos truques das estatísticas….o exemplo de Espanha – Assim te manipulou a TVE desde que o Partido Popular chegou ao Governo em 2011 (I). Por Alejandro Torrús

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O artigo seguinte contém exemplos paradigmáticos de como se utilizam, ou subvertem, ou manipulam as estatísticas para fabricar a realidade que convém aos poderes estabelecidos. Todavia, como resulta do que é relatado, os procedimentos que estão em causa vão bem além dos truques da estatística, envolvendo a utilização abusiva de uma maioria parlamentar em matérias que mereceriam uma ampla (qualificada) maioria decisória, actos persecutórios, censura, controlo e manipulação da informação, etc.

Francisco Tavares

Assim te manipulou a TVE desde que o Partido Popular chegou ao Governo em 2011

Por Alejandro Torrús, jornalista e politólogo

Publicado por Publico.es, em 15 de fevereiro de 2017

http://www.publico.es/economia/comunicacion/television-manipulado-tve-partido.html

 

O partido de Mariano Rajoy converteu as empresas públicas, especialmente a televisão, numa extensão do seu gabinete de comunicação. ‘Público’ oferece um resumo dos casos de manipulação, censura ou más práticas mais badaladas desde 2011. Trabalhadores da RTVE entregaram 2.000 assinaturas no Congresso para reclamar a “independência” da TVE. 

 

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Sergio Martín entrevista Mariano Rajoy para a TVE

Em 20 de abril de 2012 o Partido Popular utilizou a sua maioria absoluta no Congresso para alterar a Lei de Rádio e Televisão de Titularidade Estatal de 2006: o Governo poderia nomear o presidente da empresa por maioria absoluta. A necessidade de consenso saltava pelos ares. Pouco depois fá-lo-ia o próprio diretor de informação, Fran Llorente, junto de figuras emblemáticas da última etapa da televisão pública como Ana Pastor ou Juan Ramón Lucas. Nessa altura o “Público” intitulou na sua página digital que o Partido Popular assaltava a RTVE. O tempo demonstrou que tínhamos razão. 

Ao longo destes mais de seis anos o Governo de Mariano Rajoy converteu os telejornais numa  extensão do seu gabinete de comunicação. Os Conselhos de Informação da rádio, televisão e rtve.es denunciaram, em múltiplas ocasiões, a manipulação, as más práticas e os sectarismos dos responsáveis dos Serviços Informativos da empresa pública. Todavia, quem nisto tirou o maior proveito foi a TVE, uma televisão que Rajoy disse querer converter numa BBC. Não há dúvida que, hoje, esse objetivo está muito mais longe do que há seis anos atrás. 

Os trabalhadores da Empresa Pública, de facto, entregaram esta 5ª feira cerca de 2.000 assinaturas no Congresso para exigir “um sistema que garanta a independência dos seus profissionais, defendendo-os de decisões discricionárias que, ainda hoje, continuam a afastar muitos deles por critérios ideológicos, apesar da sua experiência e conhecimentos”. Igualmente, o texto, a que  Público teve acesso, assinala que “recuperar uma radiotelevisão pública plural, imparcial, defensora dos valores constitucionais é hoje, mais que nunca, uma questão de higiene democrática”.

Este é um breve resumo das manipulações e más práticas que a TVE levou a cabo durante os anos de Governo do Partido Popular. 

Censura: o que não te contaram

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O ministro do Interior em funções, Jorge Fernández Díaz, numa conferência de imprensa na sede do seu ministério.- EFE

 

Se a sua única fonte de informação são os telejornais da TVE pode ser que haja diversos assuntos de interesse de que não teve conhecimento. E não são, precisamente, poucos. Por exemplo, se apenas viu a TVE no passado dia 21 de junho, quando o Público revelou a conspiração do exministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, com o chefe do Gabinete Antifraude da Catalunha para fabricar escândalos contra a ERC e a CDC. Nem o Telejornal da TD2, nem a Noite em 24 horas informaram sobre esta exclusiva do Público. Somente a TVE2 Notícias fez eco do escândalo, um presumível caso de conspiração e utilização fraudulenta de instituições públicas com fins políticos.

Este caso, o da censura dos meios audio que o Publico revela, continuou desde então. Outro exemplo produziu-se no dia 18 de outubro de 2016 quando o Congresso censurou o exministro do Interior, Jorge Fernández Díaz e o Telejornal da 2 apenas dedicou 20 segundos ao assunto. Nem rasto do contexto e dos audios do Público, que marcaram a campanha eleitoral de 26 de junho [de 2016]. 

Mas não foi o único caso. Em 9 de março de 2016, os telejornais censuraram as mensagens via Whatsapp que a rainha Letizia tinha enviado ao empresário Javier López Madrid sobre as “tarjetas black” e nas quais lhe chamava [carinhosamente] companheiro de yoga“. Esta informação aparece somente numa curta notícia do dia seguinte, quando o governo abre uma investigação por um possível delito de revelação de matéria secreta.

 

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Felipe VI, junto a Letizia Ortiz e Mariano Rajoy, durante a Pascua Militar. (EFE)

E assim poderíamos continuar, numa recompilação que mais que um artigo de jornal necessitaria uma trilogia. Mais exemplos: em 13 de abril deste mesmo 2016 o Telejornal da 1 não disse uma só palavra sobre a multa de 70.000 euros que a autoridade tributária impôs ao expresidente de Governo José María Aznar. Outras vezes acontece quereres ter conhecimento pela TVE de um caso de corrupção e isso é impossível. Foi o caso de Acuamed. Em 23 de janeiro o Telejornal da 1 não informou sobre a implicação do exministro Cañete no caso. Uns meses depois, a TVE volta a puxar das notícias breves para enterrar o caso de corrupção que salpica responsáveis do Partido Popular. Afeta o Partido Popular ou não, esse é o critério? A informação terá que ser procurada fora da TVE.

No mês de maio, os dois telejornais da 1 não informaram sobre o décimo terceiro aniversário do  Yak 42, desastre em que morreram 62 militares. Numa conferência de imprensa dessa manhã, as famílias tinham pedido que o Ministério da Defesa reconhecesse a sua negligência e reclamado responsabilidades.

A lista continua. Em 16 de setembro a Justiça imputou  Alfonso Rus, expresidente da Deputação de Valência, por branqueamento de dinheiro. O Telejornal da 1, segundo pudemos saber junto dos trabalhadores, solicitou um direto a partir da  Ciudad de la Justicia, que acabou por não ser emitido no Telejornal. A peça sobre a imputação foi emitida mas sem autoria. No Telejornal da 2 a informação ficou reduzida a notícia de passagem. A direção considera, pois, que tem uma relevância mais que limitada. 

A TVE tão pouco reproduziu as mais que polémicas declarações de David Pérez, alcalde de Alcorcón, realizadas em 2015, em que acusa as mulheres feministas de serem umas “frustradas, amargadas raivosas e fracassadas”. Os telejornais não emitiram o corte de vídeo com as suas palavras e limitaram-se a recolher a polémica dos dias seguintes. Tão pouco considera relevantes, e portanto não emitiu, as declarações de Pablo Casado, vicesecretário de Comunicação do Partido Popular, no Club século XXI, nas quais compara as condições salariais de uma empregada de limpeza de hotel com as condições do seu irmão médico. https://youtu.be/85pD-nkD6aw

Até ao momento, tratou-se de casos de censura que somente dizem respeito ao ano de 2016. E são uma pequena amostra. Nos anos anteriores existem tantos exemplos como estes ou ainda mais. E não apenas na redação central dos Serviços Informativos, mas também nos centros territoriais. O Conselho de Informativos da TVE censurou, já em 2012 a atitude do diretor de então do centro territorial da televisão pública em Sevilha, Francisco Aguilera, que em fevereiro desse ano decidiu que não se emitisse informação sobre os supostos “enchufados” do PP nos distritos de Sevilha [NT. também conhecido por “jobs for the boys”], depois de ter recebido uma chamada do chefe de imprensa do presidente da câmara. 

E os silêncios não afetaram somente os adversários políticos de Rajoy. Também atingiram coletivos como a PAH (Plataforma de Afectados por la Hipoteca) ou as vítimas do franquismo. Em 30 de agosto de 2014 o Telejornal Fim de Semana dedicou uma peça à efeméride do “Dia do Desaparecido”, Isso sim, os responsáveis esqueceram-se de mencionar que ainda existem cerca de 114.000 espanhóis desaparecidos desde a Guerra Civil. A ARMH (Associação para a Recuperação da Memória Histórica) emitiu um protesta perante este vazio informativo da televisão que é paga por todos os espanhóis.

(continua)

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