CARTA DO RIO – 174 por Rachel Gutiérrez

“Um concerto, como uma viagem, é uma lufada de ar fresco para os nossos corações e mentes”, escrevi na Carta do Rio 153, após meu reencontro com a Sala Cecília Meireles, no fim do mês de maio.

De lá para cá, voltei à Sala várias vezes sempre com o mesmo proveito e alegria. No último sábado, a lufada de ar fresco foi a de um programa que incluía Tango, do compositor russo Igor Stravinsky e uma Tocatta, do brasileiro Camargo Guarnieri, executados ao piano por Lucas Thomazinho; logo depois, Bernardo Bessler e Rosana Diniz interpretaram a belíssima Sonata em Lá Maior, opus 13, para Violino e Piano, do francês Gabriel Fauré.

Após o intervalo, tivemos, finalizando o programa, uma das obras mais apreciadas do húngaro Béla Bartók, a originalíssima e arrebatadora Sonata para 2 Pianos e Percussão, cuja difícil execução nos leva a admirar tanto a técnica avançada indispensável aos pianistas, quanto a precisão e o virtuosismo dos percussionistas. Foram eles: Lucas Thomazinho e Antonio Vaz Lemes, nos pianos, e Fernanda Kremer e Rodrigo Foti, nos vários instrumentos de percussão (xilofone, címbalos, tambor, bumbo, caixa, triângulo etc.) Admirável foi a precisão rítmica de todos os músicos.  E essa obra foi, sem dúvida, a que mais empolgou a plateia.

Fiquei sabendo, mais tarde, que a impressionante Sonata, cuja primeira audição teve como pianistas o próprio compositor e sua mulher, Ditta Pásztory, e os percussionistas Fritz Schiesser e Philipp Ruhlig, em 1938, resultou de uma encomenda feita a Bartók pela Sociedade Internacional da Música Nova, de Bâle, na Suíça. Dois anos mais tarde, Bartók acrescentou um acompanhamento sinfônico, criando assim o Concerto para dois pianos, Percussão e Orquestra.

Mas eu não posso deixar de me deter é na evocação da Sonata opus 13, de Fauré, uma das paixões da minha juventude, tão bem revivida ao som do violino de Bernardo Bessler e o do piano de Rosana Diniz, na noite do último sábado.

Voltei à época em que, adolescentes de 13 e 14 anos, minha querida amiga (e “argonauta”) Carmen Maria Serralta e eu descobrimos tanto a pintura impressionista quanto Gauguin, Van Gogh e Toulouse Lautrec, quando ouvíamos e descobríamos também, graças às discotecas de nossos pais, além de Bach, Beethoven, Brahms, Chopin, os maravilhosos compositores franceses: Fauré, Debussy e Ravel. Lembro como escutávamos quase obsessivamente L’après-midi d’un Faune, de Debussy, e a Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel.  Mas também escutávamos, totalmente deslumbradas, a Sonata em Lá Maior, opus 13, de Fauré, na interpretação de dois artistas inesquecíveis: o pianista Alfred Cortot e o violinista Jacques Thibaud. Tudo isso em discos de 78 rotações, que antecederam os de vinil, de 33 rotações, hoje em dia tão procurados e revitalizados.

Leio no Google sobre aqueles discos:

 

O material utilizado em seu fabrico era, em geral, a goma-laca, – os mais antigos eram feitos de ebonite – que dava uma característica rija, vítrea e extremamente frágil ao formato. Eram executados inicialmente nos gramofones e, posteriormente, nos toca-discos elétricos.

Até 1948 era o único meio de armazenamento de áudio, quando foi inventado o LP mais resistente, flexível, e com maior tempo de duração.

Devo dizer, porém, que não somos tão antigas assim, do tempo dos gramofones! Esses, só os fomos conhecer em filmes de época ou em lojas de antiguidades.  Mas é provável que os LPs só tenham chegado à nossa fronteira, do Rio Grande do Sul com o Uruguai, em meados dos anos 1950. O fato é que os velhos discos de goma-laca ou ebonite muito contribuíram para o desenvolvimento do gosto musical de muita gente.

Volto ao Google para homenageá-los:

O disco de 78 rotações teve ainda uma sobrevida de alguns anos. Nos Estados Unidos, sua produção encerrou-se em 1957 e no Brasil, os últimos foram produzidos em 1964. Já  em alguns países africanos como Nigéria e Gana, ou ainda Índia, Colômbia, Guatemala e na extinta União Soviética, o formato continuou sendo utilizado até o início da década de 1970.  

Pois agora, em pleno outubro de 2017, graças à indispensável e tão valiosa tecnologia contemporânea, posso compartilhar com meus amigos leitores da Viagem dos Argonautas, o primeiro movimento da Sonata de Fauré, na mesma gravação – de Alfred Cortot e Jacques Thibaud ! – que tanto encantou, nos tempos já longínquos da juventude, os ouvidos musicais e a sensibilidade de duas amigas.

 

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