Nunca subestimar os perigos de um jantar de Natal…
A imprensa internacional divertiu-se a comentar o embaraço causado pelo alfinete de peito utilizado pela Princesa Michael de Kent no jantar anual de Natal da Rainha Isabel II. A joia representava o busto de uma mulher negra e por ignorância geral foi considerado um acessório de natureza racista, sendo erroneamente associado à escravatura.
O acessório já tinha sido usado pela Princesa Michael, mas nesta ocasião suscitou uma inesperada polémica devido à presença de Meghan Markle, a noiva do Príncipe Harry, cuja mãe é afro-americana.
O alfinete em causa era um chamado moretto veneziano, uma das joias mais emblemáticas da ourivesaria tradicional da República Sereníssima. As suas origens remontam ao século XVI e o nome desta joia procede do termo “moro”, utilizado pelos venezianos para designar os piratas sarracenos que, naquela época, saqueavam as costas marítimas dálmatas sob o domínio de Veneza, que abrangia boa parte do Mediterrâneo e chegava às costas da atual Turquia.
Como lembra no seu blogue Marco Jovon, herdeiro de uma importante família de ourives de Veneza, as populações costeiras costumavam usar um brinco como talismã para exorcizar a chegada desses piratas; nomeadamente, as mulheres usavam um brinco de ouro com pormenores em esmalte branco e preto. Terá sido este o moretto primigénio.
Ao chegar à Veneza metropolitana, este acessório ganhou uma nova aceção: para além de exorcizar perigos, passou a simbolizar bem-estar e abastança e a celebrar a supremacia veneziana no Mediterrâneo. Ao longo do tempo, os ourives venezianos propuseram diversas variações sobre este tema, usando-o para alfinetes, pingentes, brincos etc., usando nas suas criações ébano e pedras preciosas.
Os moretti venezianos continuam a ser um acessório apreciado junto de uma elite internacional, incluindo, no século passado, ícones do nível de Grace Kelly, Ernest Hemingway e Elizabeth Taylor. Nada têm a ver, portanto, com colonialismo e escravatura.