A HISTÓRIA PODE DAR ALGUMA AJUDA – XVIII por CARLOS LEÇA DA VEIGA

 

Hoje, como sempre, a Europa continental é um tigre de papel.

 Em 23 de Setembro de 1822, na cidade de Lisboa, há 196 anos, a História de Portugal ficou marcada por um acontecimento ímpar – a implantação da Democracia – cuja grandeza e consequências, aliás notabilissimas, só merecem a exaltação mais repetida e a celebração mais sentida. Para os portugueses, nessa data, nasceu a sua primeira Constitução Política, afinal, a consequência feliz da Revolução acontecida dois anos antes, em 24 de Agosto de 1820, na cidade do Porto. O percurso dessa ambicionada Democracia, bem sabido, foi sempre muito acidentado, teve altos e baixos, inclusive uma interrupção de cinquenta anos mas, por fim, em 25 de Abril de 1974, houve quem tivesse tido a mestria – louvavel à exaustão – de querer fazer reconduzi-lo para as mãos de quem mais ordena.

No dia 18 de Junho de 1815, cinco anos antes da Revolução portuguesa de 1820, na Batalha de Waterloo, o onirismo imperial napoleónico viu terminados os seus dias para ver-se substituido por outro modelo de violência política que, sabe-se, não ficou nada atrás daqueloutro manobrado pelo pequeno corso.

Assim, no sentido de recriar a ordem política tradicional, ainda, nesse mesmo ano de 1815, sob proposta do Imperador da Rússia, logo aceite pelos seus homónimos da Austria e da Prússia, essa Europa absolutista reunia-se no Congresso de Viena, de 1814 a 1815, e, depois, nesse mesmo 1815, congregou-se na Santa Aliança que, maldição, haveria de alargar-se à França, à Espanha e a Portugal para, nessa conformidade, exibir uma força política e militar capaz de impedir qualquer fuga à sua autoridade e garantir a entronização perpetua do absolutismo dos Monarcas. De verdade, a Santa Aliança nada mais era que uma coligação declaradamente contrária ao liberalismo das Democracias e cuja missão principal – executada à custa do poderio militar – era a de comandar, de ora em deante, os destinos políticos da Europa.

A Inglaterra, apesar de, indubitavelmente, ter sido a grande vencedora militar do bonapartismo recusou-se – e muito bem – em aceder á vontade política das dinastias continentais, porém, apesar disso, tais as suas imensas conveniências, prosseguiu com a ocupação militar de Portugal, para assim, não só afastar o expansionismo dos estados continentais – o madrileno de sobremaneira – ter garantido o dominio das sua rotas maritimas atlânticas e, importante, manter a sua autoridade sobre o império português, por designio, garantir, em Portugal, as vantagens estratégicas ganhas – as económicas não foram nada despiciendas – na consequência da sua presença militar activa e muito decisiva na Guerra Penínsular. Mau grado condições políticas tão desfaforaveis, a verdade é que, a força e a determinação política dos liberais portugueses – não esquecer a doutrinação do Sinédrio – não só não receou contrariar o poderio da Santa Aliança, quiz rebelar-se contra a ocupação inglesa como, também, isso é notável, não hesitou em desencadear uma Revolução que soube por em causa, com manifesto sucesso, a prepotência, tanto dos Impérios continentais coligados como, também, a do Conselho da Regência portuguesa, uma instituição submissa e obediente às ordens da chefia inglesa do marechal Beresford que foi nomeada, em Lisboa, no mês de Novembro de 1807 e renomeada, no Brasil, em 1809, duma e doutra vez, pelo Principe Regente João VI.

Assim, desta maneira, se a velha Albion impediu qualquer aventura ao velho e nunca desarmado expansionismo castelhano soube, também – foi-lhe muito compensador – assonherear-se do poder político português, tudo feito  em nome da velha aliança e com a concordância dada pela Regência do, então, Principe Regente João VI, tanto antes, como depois de oportuna e muito correctamente estar instalado, como esteve, no Brasil.

Graças a uma sábia deliberação política do Governo português de 1801, sete anos antes, durante a época da Guerra das Laranjas, tinha sido decidido que, na circunstância duma invasão de Portugal, a sede da governação nacional – a Corte Real – como medida de defesa – medida acertadissima – tinha de mudar-se para o Brasil, nada mais que uma deslocação dentro do território, então, portuguâs. Assim, caso seja feita uma boa apreciação da História – e não, os seus habituais dislates – essa deslocação da familia real para o território do Brasil, – um autentico ludíbrio provocado à força armada francesa – constituiu, em termos estratégicos, sem quaisquer margens para dúvidas, a primeira grande derrota napoleónica – uma derrota estratégica – jamais, devidamente celebrada, sequer, por quem a provocou.   

A presença política e militar da Inglaterra em território português que prosseguiu muito para além de 1814 – ano do fim da Guerra Poninsular – e  viu-se prolongada até 1820, foi exercida com uma dureza que só fez avolumar o descontentamento da População portuguesa, uma circunstância acrescida por uma conjuntura económica muito desfavoravel agravada, também, pela ausência, no Brasi, do rei João VI, uma circunstância política muito mal compreendida pela generalidade da População – muitissimo mal explicada – e, sobretudo, nada bem aceite. Em 1817, para tudo agravar, o ocupante inglês, afirma-se vitima duma conspiração e manda enforcar o General Gomes Freire de Andrade e os onze portugueses que a História, com a maior das justiças, consagrou como “Os Martires da Pátria”. Depois, em 1818, na cidade do Porto, “O Sinédrio”, uma organização secreta destinada a fazer vingar a Liberdade, ganha adeptos para a sua causa e, em 24 de Agosto de 1820, nessa Invicta, rebentou um movimento militar que, de imediato, funda “A Junta Provisional do Governo Superior do Reino” para, dias após, em 15 de Setembro, depois de alastrar por todo o País, em Lisboa, pela mão duma parte da oficialiade subalterna da sua guarnição militar, aliada ao movimento nortenho, constituir um governo interino que, em 28 de Setembro, se constituiu em “Junta Provisional do Supremo Governo do Reino”. Desde logo, conforme seu programa político, exigiu o regresso de João VI e, afirmou-se por mais outro compromisso politicamente relevante, como foi, mandar realizar as primeiras eleições democráticas havidas em Portugal para, com elas, poder chegar-se à eleição, corria o ano de 1822, das Cortes Constituintes, cuja obra política, verdadeiramente digna duma pagina destacada da Histórica do nosso País, foi a chamada Constituição de 1822, jurada, nesse ano, em 23 de Setembro.

Em 1821, no ano seguinte ao da Revolução de 1820, como consequência da muita presão politica execida nesse sentido, o Rei João VI já tinha regressado a Lisboa ; em 1822, o Brasil, pela mão bem avisada de Pedro, o filho mais velho do monarca português, tornou-se independente e, também, nesse ano o Rei João VI jura a Constituição de 1822. Em 1823 e 1824, entre nós, a reacção monarquica, conservadora e absolutista comete duas rebeliões armadas com, respectivamente, a Vilafrancada e a Abrilada e, em consequência desta última, o usurpador absolutista Miguel I, pelo pai, é mandado exilar-se. Em 1826 moreu João VI; em 1828, reaparece Miguel I e proclama-se rei absoluto para, como consequência, em 1831, o seu irmão mais velho, depois Pedro IV de Portugal, responder com a ocupação militar dos Açores e, em 8 de Julho de 1832, desembarcar um exercito no Continente, na praia do Mindelo, para iniciar uma caminhada que o levará à vitória militar consumada, por fim – momento memorável –  na Convenção de Evora-Monte.

Há 184 anos, no dia 26 de Maio de 1834, em Évora-Monte, foi assinada a rendição incondicional do exército absolutista que, em 1828 – mais outra vez – tinha reinstalado no País um regime político despótico. Assim, terminou a Guerra civil entre liberais e absolutistas que durante dois anos, de 32 a 34, abalou o País e, sabe-se, deixou muitos agravos e ressentimentos que, apesar de muitos anos passados, não perderam a profunda animosidade que sempre transportaram.

A derrota militar das correntes políticas que, em Portugal, contrariavam a instalação da Democracia, na sua modalidade de Monarquia Constitucional foi, de facto, um momento histórico digno do maior registo tanto mais que – isso tem sido esquecido – foi, também, uma derrota muito significativa, causada pelos liberais portugueses, ao despotismo da Santa Aliança de 1815, nada mais que uma coligação declaradamente contrária à Democracia.  Nessa época, já havia tigres de papel!!

Mesmo que nos dias de hoje tudo pareça apresentar-se duma maneira diferente e que as declarações das actuais eminências continentais europeias sigam todas no sentido formal da exaltação da Democracia, a chamada União Europeia (UE), em que sobressai, mas não só, a mão expansionista do velho revanchismo germânico, à semelhança do passado político imposto pela Santa Aliança, reserva-se o direito de poder comandar o destino económico e político de muitos dos Estados europeus e o nosso – salta à vista – de sobremaneira.

Nessa época da Santa Aliança, toda a sua doutrina política era afirmada como praticada em nome dos “ preceitos da Justiça, da Caridade Cristã e da Paz” e, também – quanto pode a hipocrisia – por força das “elevadas verdades presentes na doutrina do Nosso Salvador”. De verdade, na sua essência política, essas afirmações piedosas e cristianíssimas só queriam dizer que a Santa Aliança tinha de ser considerada como a autoridade última na condução da política dos europeus, europeus que teriam de ter em mente que o seu inimigo era o liberalismo e que a sua conduta política teria de ser a do absolutismo, um regime – afirmava-se – impossível de ser destruído em qualquer dos Estados coligados.

Se a História pode dar alguma ajuda – e pode – importa recordar e manter bem presente que em pleno domínio da Santa Aliança, em 1820, por uma soma de razões em que – é conveniente repetir – tem de destacar-se a ingerência autoritária, absoluta, continuada e odiada do exército inglês acrescida com o poder político despótico daquela Santa Aliança, uma ou outra, não foram bastantes para impedir que, em Portugal, na cidade do Porto, no dia 24 de Agosto de 1820, começasse uma revolta militar muito bem sucedida que, facto inesquecivel, fez nascer, entre nós e para bem de todos nós, o regime democrático.

O exemplo histórico deixado pelos vintistas bem merece ser realçado quando, nos dias que correm, uma coligação como a União Europeia, afinal um autentico IVº Reich, mais outra Santa Aliança, tudo tem feito para submeter a generalidade dos Estados Europeus à sua cobiça económica e política, sucedida, facto desesperante, sem a confrontação duma oposição portuguesa que seja digna desse nome e, bem pelo contrário, já vista, quantas vezes – lamente-se – a alardear um manifesto espírito de inadmissível colaboracionismo.

                                                                  Lisboa, 23 de Setembro de 2018

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