Seleção e tradução de Francisco Tavares
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Uma Yellen na loja de porcelana
Tendo em conta o nível da fasquia que o regime de Biden estabelece atualmente para a sua política trans-Pacífico, é de perguntar se eles cantam “Expetativas mais para baixo agora!” quando enviam o funcionário seguinte numa destas diligências sem sentido.
Publicado por em 12 de Julho de 2023 (original aqui)

Janet Yellen fez um excelente trabalho durante a sua visita de quatro dias a Pequim, lê-se agora na imprensa corporativa. A secretária do Tesouro conseguiu não quebrar mais nenhuma porcelana na loja da China.
Isto conta como um sucesso diplomático para os americanos. Tendo em conta que o nível da fasquia que o regime de Biden estabelece atualmente para a sua política trans-Pacífico, é de perguntar se eles cantam “Expetativas mais para baixo agora!” quando enviam o funcionário seguinte numa destas diligências inúteis.
A abertura trans-Pacífico de Yellen foi mais uma de uma longa série de viagens deste tipo que os altos funcionários do regime de Biden têm feito desde que, assim que tomaram posse, transformaram num desastre as relações sino-americanas.
Parece haver apenas duas maneiras de estas aventuras resultarem: Ou acabam em desastre ou não se faz nada. Yellen escolheu a segunda opção, e estamos satisfeitos: Evitar outra rutura diplomática é o melhor que podemos esperar desta gente.
Yellen não fez qualquer menção à “ordem internacional baseada em regras” durante os seus quatro dias de conversações, que na realidade foram dois dias, dado que ocupou uma boa parte do seu tempo com executivos americanos e não com funcionários chineses.
Foi uma melhoria em relação às actuações de Antony Blinken, o secretário de Estado americano, que nestas ocasiões lê um qualquer catecismo imperial e tem sempre de dar sermões aos que não se conformam com o mandamento da ordem baseada em regras.
Yellen também não chateou os chineses sobre a necessidade de “barreiras de proteção” e “rampas de saída”, uma vez que os EUA provocam os chineses de todas as formas possíveis – alegorias retóricas que fazem Tony parecer mais um burocrata dos transportes do que o principal diplomata americano. Mais uma vez, é uma questão de bom senso.
Um eco de despedida
Numa conferência de imprensa, quando regressava a casa no domingo, Yellen proferiu uma frase que parece ter chamado mais a atenção do que qualquer outra coisa que tenha dito durante a sua estadia em Pequim. “Acreditamos que o mundo é suficientemente grande para que os nossos dois países possam prosperar”, afirmou a secretária.
Fiz um duplo clique quando li esta citação no New York Times de domingo. Aqui está Xi Jinping a dar a lição – a palavra justa – a Tony Blinken durante os 35 minutos que o presidente chinês concedeu ao secretário americano durante a visita deste último a Pequim, há várias semanas: “O planeta Terra é suficientemente grande para acomodar o desenvolvimento respetivo e a prosperidade comum da China e dos Estados Unidos”.
A diplomacia americana com os chineses está a tornar-se completamente estranha. Mas, mais uma vez, repetir a opinião dos dirigentes chineses como se tivesse sido sempre a dos Estados Unidos é melhor do que mais uma asneirada. Se não têm nada de bom para dizer, como diz o velho ditado, respondam ao que vos foi dito, depois metam-se no avião e dêem uma vista de olhos nos noticiários de domingo de manhã.
Está tão aborrecido como eu a ver esta conga line de funcionários do regime de Biden a viajar pelo Pacífico, a dizer a mesma coisa, e a regressar a casa sempre com um dos dois resultados acima referidos – calamidade ou muito combustível de avião desperdiçado para poder dizer: “Estamos a falar”, mesmo que os dois lados não consigam fazer mais do que falar sobre a importância de falar.
Nada vem do nada

Primeiro foi Blinken e Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional de Biden, que me parecem os Abbott e Costello do espetáculo de variedades de Biden. Depois veio Wendy Sherman, a número 2 de Blinken, e depois John Kerry, o homem do clima do regime que nunca foi visto. Pelo meio, tivemos várias videochamadas entre Biden e Xi. O que é que resultou destas trocas de impressões? Impossível nomear uma única coisa.
Todas estas pessoas partilham três atributos. Um, não sabem nada sobre a China.
Segundo, não se importam com o facto de não saberem nada sobre a China.
Terceiro, não se preocupam em saber nada sobre a China.
Só lhes interessa projetar o poder americano para o exterior, com mais vigor onde ele é mais indesejado.
O Presidente Biden, ver o parágrafo acima, teve uma cimeira paralela com Xi na sessão do Grupo dos 20 de novembro passado em Bali, onde comunicaram sobre… a necessidade de comunicar.
Alguns meses mais tarde, Blinken recusou, na véspera de uma visita planeada a Pequim, a desculpa de que um balão meteorológico chinês tinha entrado no espaço aéreo americano. (Ninguém nos círculos militares ou de informação de Washington alguma vez pôs o seu nome na história do balão espião para além da boa e velha fase de “avaliação”).
No mês passado, descobrimos porque é que Blinken estava tão reticente: Quando finalmente viajou para Pequim para dois dias de conversações, em meados de junho, foi embaraçoso. Blinken era o suplicante, não exatamente, mas quase a implorar aos chineses que voltassem a falar com os EUA e a receber reprimendas de professor para aluno no sentido de que o regime de Biden tem de começar a dizer o que quer dizer e a querer dizer o que diz.
Não podemos ter muito disso, é claro.
Adorei os comentários do nosso presidente pouco coerente num evento de angariação de fundos na região vinícola da Califórnia, pouco depois de Blinken ter saído do avião. Biden chamou ao balão meteorológico uma nave de espionagem “com duas carruagens cheias de equipamento de espionagem”; afirmou que Xi estava envergonhado porque não sabia de nada e chamou ao líder chinês um ditador.
Ainda bem que Blinken não conseguiu fazer nada em Pequim: Se o tivesse feito, o seu patrão tê-lo-ia arruinado no decurso de duas frases proferidas numa sala cheia de zés-ninguém que, por acaso, são doadores milionários.
É melhor que não houvesse nada para estragar.
Biden teve então o descaramento de dizer sobre Xi: “O ponto muito importante é que ele está agora numa situação em que quer voltar a ter uma relação”. Perdoem-me, mas este tipo, mesmo na sua senilidade, não consegue parar de dizer asneiras.
Digo-vos que, entre Blinken e Nod, não consigo imaginar o que todos os funcionários sensatos de Pequim, de Xi para baixo, pensam deste ato de vaudeville de mau gosto.
O regime de Biden está, nesta altura, desesperado por reconstruir a relação mais importante que a América terá neste século, depois de a ter transformado num caos. Mas é um trambolhão após outro com estes imbecis.
E, por isso, Janet Yellen tem de tentar. A graça salvadora: Pelo menos ainda não é a vez de Kamala Harris. Caramba, só de pensar nisso.
A diplomacia como política interna

Yellen falou do tema já habitual, a necessidade de falar, principalmente sobre falar, mas na verdade sobre qualquer coisa, desde que haja a aparência de competência diplomática americana. “Yellen anunciou que as duas partes iriam procurar estabelecer comunicações mais frequentes ao mais alto nível”, como noticiou o The New York Times nas edições de domingo. “O desejo de mais diálogo pareceu a alguns analistas como um desenvolvimento significativo.”
Será mesmo? Era evidente, mesmo antes de Yellen embarcar no avião de regresso a Washington, que, como disse um antigo funcionário do Tesouro citado pelo Times, “a viagem de Yellen dificilmente mudará a dinâmica subjacente e a trajetória da relação económica”.
Como é que poderia?
Yellen não deu absolutamente nenhuma indicação de que o regime de Biden pretendia fazer quaisquer ajustamentos consequentes em qualquer uma das políticas antagónicas em relação à China que estão em vigor – nem as tarifas da era Trump, nem as sanções generalizadas, nem os controles sobre as exportações de componentes de alta tecnologia, nem planos iminentes de impor restrições ao investimento dos EUA na China. Nada sobre nada disso.
“Até agora, não vimos qualquer sinal de que Biden vá repensar a sua política económica em relação à China”, disse Wu Jinbo, reitor de estudos internacionais da Universidade Fudan, em Xangai, numa entrevista ao Times. Não, e tudo indica que não o farão.
A Reuters noticiou na segunda-feira de manhã, a partir de Washington, que o secretário está agora a pedir a Biden que abandone algumas das tarifas menos significativas que continuam em vigor. Não se trata de um repensar de políticas, de forma alguma: Assumindo por um segundo que Biden aceita a ideia, seria um movimento simbólico cujo objetivo, tendo em conta tudo o resto entre Washington e Pequim, não consigo compreender e duvido que os chineses também o compreendam.
Há meses que Yellen insiste que privar a China do acesso à tecnologia de que necessita para desenvolver as suas indústrias avançadas não tem por objetivo prejudicar a economia chinesa ou inibir o seu crescimento. Na semana passada, tentou o mesmo argumento. Aguardo o funcionário americano capaz de explicar como é que isto não equivale a um ataque frontal a uma economia com a qual os EUA estão a perder a sua capacidade de competir.
Quanto ao argumento comummente invocado de que as restrições tecnológicas e de investimento são necessárias em nome da proteção da segurança nacional dos Estados Unidos – Yellen repetiu-o, evidentemente -, não passa de uma evasiva barata, segundo qualquer avaliação séria.
Isto é apenas o que parece, de forma despretensiosa, quando um império em declínio enfrenta uma potência em ascensão.
O que seria de um encontro diplomático americano com a China sem a sua lista de críticas e exigências do tipo que nenhuma nação civilizada pensaria em fazer nas suas relações externas? As de Yellen são interessantes. Talvez possamos aprender alguma coisa com elas.
Entre as suas queixas estavam o apoio de Pequim a empresas do sector público – pura conversa fiada -, a sua recente decisão (retaliatória) de bloquear as exportações de terras raras para os EUA e a produção chinesa de produtos químicos a montante, com várias utilizações legais, que acabam por ser utilizados na produção a jusante de fentanil fora das fronteiras da China.
Há algumas coisas a dizer sobre estas questões. Primeiro, há um outro lado, chinês, em todas elas, que os EUA se recusam a reconhecer.
Segundo, no esquema das coisas, não são de magnitude geopolítica de primeira ordem. É sempre importante atacar os chineses, mesmo que se afirme que se está a tentar reparar as relações.
E, em terceiro lugar, há a questão de saber com quem Yellen estava realmente a falar quando levantou estas questões em Pequim. À medida que estes encontros trans-Pacífico se acumulam, fico cada vez mais convencido de que estas ocasiões são, em grande parte, um espetáculo.
Os funcionários americanos em Pequim não estão, em muitos casos, a falar com os chineses: Estão a falar para os falcões que tomaram conta da política chinesa em Washington.
É a diplomacia como política interna, por outras palavras. Acha que os chineses não compreendem isto, a falta de seriedade essencial dos seus convidados americanos? Estou cada vez mais impressionado com a paciência e a cortesia da China.
Janet Yellen vai a Pequim, Janet Yellen regressa a Washington, nada devia mudar e nada mudou.
O próximo da lista – já estamos na segunda ronda – é Kerry, que está encarregado de retomar algum tipo de conversa sobre a questão climática quando se deslocar a Pequim no final deste mês.
Temo o momento de Kamala Harris, caso o seu número chegue a aparecer. Se chegarmos a este ponto, o regime de Biden não conseguirá falar com a China, nem mesmo sobre mais conversações.
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O autor: Patrick Lawrence, correspondente no estrangeiro há muitos anos, principalmente para o International Herald Tribune, é colunista, ensaísta, autor e conferencista. O seu livro mais recente é Time No Longer: Os Americanos Depois do Século Americano. A sua conta no Twitter, @thefloutist, tem sido permanentemente censurada. O seu sítio na Web é Patrick Lawrence. Apoia o seu trabalho através do seu sítio Patreon.