Teoria e Política Económica: os grandes confrontos de ontem, hoje e amanhã, também – uma homenagem ao Joaquim Feio — Capítulo 3 — Texto 14. Robert Lucas: a racionalidade do capitalismo. Por Michael Roberts

Reflexos de uma trajetória intelectual conjunta ao longo de décadas – uma homenagem ao Joaquim Feio

 

Capítulo 3 – Das harmonias universais decretadas pela Escola de Chicago à violência das crises atuais – Reflexões sobre os Nobel ou nobelizáveis da Escola de Chicago

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

5 min de leitura

Texto 14 – Robert Lucas: a racionalidade do capitalismo

 Por Michael Roberts

Publicado por Next Recession  em 16 de Maio de 2023 (original aqui)

 

Robert Lucas morreu aos 85 anos de idade. Lucas foi um dos principais economistas neoclássicos da Universidade de Chicago, o bastião da teoria económica do equilíbrio neoclássico. Em 1995, Lucas recebeu um “Prémio Nobel” pela sua teoria das “expectativas racionais”. Foi considerado por Greg Mankiw, o autor do principal manual de economia utilizado nas universidades, como “o macroeconomista mais influente do último quartel do século XX”.

 

 

É uma ironia, tendo em conta o conjunto da sua obra, que, quando Lucas começou a estudar economia, se considerasse um “quase-marxista”, pois considerava que era a base económica da sociedade que conduzia a história e não as ideias dos indivíduos. A ironia é que a sua principal contribuição para a economia dominante acabou por ser a apresentação de uma teoria segundo a qual a mudança económica era impulsionada pela ação “racional” dos “agentes”, ou seja, dos indivíduos enquanto consumidores.

O que é a teoria das “expectativas racionais”? Aparentemente, as mudanças económicas são o produto de agentes que tomam decisões “racionais” com base na informação disponível para maximizar a “utilidade” para cada agente ao longo da sua vida. Assim, as expectativas individuais dos agentes determinam a produção e os preços numa economia, e não algumas forças agregadas como a classe ou a exploração. Uma vez que as economias são conduzidas por expectativas individuais, os mercados tendem para um estado de equilíbrio que assegura o equilíbrio entre a oferta e a procura – e só são perturbados por “choques” ou por decisões erradas das autoridades monetárias e fiscais.

Lucas foi amplamente aclamado porque promoveu a teoria dominante de que os mercados podiam funcionar sem crises ou distorções desde que os indivíduos tivessem informação suficiente para tomar “decisões racionais” sobre os seus próprios interesses. Assim, a realidade das crises e das desigualdades não se devia aos mercados capitalistas, mas às decisões “irracionais” das autoridades ou dos sindicatos que interferiam nos mercados.

Em particular, Lucas atacou a teoria keynesiana da “procura agregada” das economias, nomeadamente a conclusão keynesiana de que a procura total poderia ser inferior à oferta total numa economia, conduzindo a períodos de elevado desemprego. Lucas argumentou que, se os governos interviessem para aumentar a oferta de moeda ou aumentar a despesa para estimular a procura agregada, distorceriam as “expectativas racionais” dos indivíduos e só piorariam a situação.

Além disso, a teoria keynesiana não tinha um modelo teórico que justificasse a sua conclusão de uma procura agregada inadequada. E todos os resultados empíricos devem ter uma base teórica, em particular, uma teoria das decisões individuais dos agentes. Sem isso, quaisquer conclusões políticas retiradas da análise keynesiana estariam erradas. A isto chamou-se a crítica de Lucas, que veio a dominar a aplicação da análise macroeconómica.

Um exemplo apresentado por Lucas foi o fracasso da curva de Phillips keynesiana, nomeadamente a existência de um compromisso entre desemprego e inflação. Lucas argumentou que a aparente relação inversa entre os dois tinha-se revelado errada na década de 1970, quando a inflação aumentou com o desemprego. Isso mostrou que não se pode basear a política numa correlação estatística sem uma base teórica.

Lucas tinha razão em ambos os aspetos – no sentido em que a curva de Phillips se revelou empiricamente falsa como guia para a relação entre emprego e inflação – veja o trabalho sobre isso em vários posts. Mas também deve ser correto que qualquer evidência empírica deve ser ponderada e usada para confirmar ou falsificar uma teoria.

Mas a questão é: que modelo teórico? Um dos alunos de Lucas, Paul Romer, concordou com Lucas que os modelos económicos keynesianos “assentavam na identificação de pressupostos que não eram credíveis”. E que as “previsões desses modelos keynesianos, a previsão de que um aumento da taxa de inflação provocaria uma redução da taxa de desemprego, se revelaram erradas“. Mas isso não fez com que a própria teoria das “expectativas racionais” de Lucas estivesse correta.

No entanto, os economistas keynesianos capitularam perante a crítica de Lucas. Durante a Grande Moderação (quando a inflação e o desemprego estavam a cair na década de 1990 – e a rentabilidade estava a aumentar), a economia keynesiana dominante concentrou-se em explicar os “ciclos económicos” ou “flutuações” numa economia utilizando técnicas “modernas” de modelização a partir daquilo a que chamavam “micro-fundações”. A análise econométrica, como a curva de Phillips, foi abandonada porque se provou que essas “correlações” entre emprego e inflação estavam erradas. A tarefa agora não era olhar para os dados macro ou agregados, mas sim elaborar um “modelo” que partisse de algumas premissas de comportamento ou preferências “racionais” do agente (consumidor) e, em seguida, incorporasse alguns possíveis “choques” no equilíbrio geral do mercado e considerasse o número e a probabilidade de resultados possíveis.

Assim nasceram os modelos de Equilíbrio Geral Dinâmico e Estocástico (DSGE). Eram de equilíbrio porque partiam da premissa de que, idealmente, a oferta seria igual à procura; eram dinâmicos porque os modelos incorporavam a mudança de comportamento dos indivíduos ou das empresas (agentes); e eram estocásticos porque os “choques” no sistema (pressão salarial dos sindicatos, medidas de despesa pública) eram considerados aleatórios com uma variedade de resultados, salvo confirmação em contrário.

Tratava-se de um “abastardamento” dos aspetos radicais da teoria keynesiana, nomeadamente que o capitalismo não crescia suavemente e não podia prescindir de períodos de recessão e depressão. Mas, agora, estes períodos só aconteciam como “choques” à harmonia do mercado. Lucas tinha conseguido, com a sua crítica, reduzir a macroeconomia keynesiana a um animal fraco e débil. Não admira que tenha recebido um prémio Nobel no auge da ascendência neoclássica e neoliberal, em 1995.

Dada a sua vitória sobre os keynesianos; dado o aparente sucesso das economias capitalistas avançadas na década de 1990; e dadas as políticas neoliberais de redução da “interferência” governamental e do desenvolvimento de bancos centrais “independentes”, Lucas estava confiante de que o desenvolvimento capitalista harmonioso tinha vindo para ficar. Em 2003, fez a agora infame declaração de que “a macroeconomia no seu sentido original foi bem-sucedida: o seu problema central de prevenção de depressões foi resolvido, para todos os efeitos práticos, e foi-o de facto para muitas décadas”. Como Romer observou, “usando a perda mundial de produção como métrica, a crise financeira de 2008-9 mostra que a previsão de Lucas é um fracasso muito mais grave do que a predição segundo a qual os modelos keynesianos erraram“.

A realidade dos mercados capitalistas “irracionais” acabou por expor o que é a teoria das expectativas racionais de Lucas.

 

___________

O autor: Michael Roberts [1938-], economista britânico marxista. Trabalhou durante mais de 30 anos como analista económico na City de Londres. É editor do blog The Next Recession. Publicou, entre outros ensaios, Marx200: a Review of Marx’s economics 200 years after his birth (2018), The long Depression: Marxism and The Global Crisis of Capitalism (2016), The Great recession: a Marxist view (2009).

 

Leave a Reply