Uma série, Uma viagem ao mundo da alta finança. – Segunda parte.

Por Júlio Marques Mota

 

Por Wall Street, os vampiros andarão à solta.  Sobre o Facebook – III

 

Um pouco sobre  a história, por dentro,  do que aconteceu com a introdução em Bolsa de Facebook – Conclusão

 

(continuação)

 

Anteriormente, a meio da campanha de lançamento em bolsa e caso quase que único, os analistas dos principais subscritores da oferta pública  inicial de acções do Facebook  (IPO em inglês) tinham baixado as suas estimativas sobre os resultados da empresa, um acontecimento altamente improvável, bem fora do comum, um acontecimento negativo. Vejamos agora o porquê dessa revisão de expectativas de resultados de Facebook , uma vez que esta revisão da avaliação terá desencadeado uma tempestade sobre esta introdução e terá mostrado, para quem tem dúvidas, a verdadeira natureza destes mercados. O que não sabíamos era porquê.


Posto de forma diferente, a empresa basicamente pré-anunciou que os resultados do  seu  segundo trimestre   iriam ficar  aquém das estimativas dos analistas. Mas apenas disseram isso aos analistas dos subscritores.


As informações sobre a redução nos valores estimados, foram então verbalmente transmitidas aos sofisticados investidores institucionais que estavam a considerar a compra de acções de Facebook, mas não foi transmitida aos pequenos investidores. As Instituições e os grandes clientes geralmente desfrutam de um acesso rápido aos estudos do banco de investimento, enquanto em muitos casos, os clientes de retalho, os pequenos investidores, só as podem obter muito mais tarde. Não está claro se Morgan Stanley apenas o disse aos seus principais clientes sobre a revisão feita ou se difundiu a informação de uma forma mais ampla. A empresa recusou-se a comentar quando isso lhe foi perguntado.


O corte nas estimativas parece ter influenciado as decisões de investimento de pelo menos alguns investidores institucionais que assim  retardaram  o seu apetite pelos títulos de Facebook e mais importante ainda, terá levado a que se tenha alterado  o preço a que estes estavam dispostos a comprar as  acções do Facebook.


Como foi descrito anteriormente, na melhor das hipóteses, essa “divulgação selectiva” da estimativa é manifestamente desagradável para os investidores que compraram acções do Facebook aquando da introdução em bolsa (ou em qualquer momento a partir daí) e que não sabiam de nada sobre isso. Dizem os analistas e compreende-se que na  pior das hipóteses, isto representa  uma violação das leis de valores mobiliários.


Este último capítulo da história daa introdução em bolsa de  Facebook começou quando Alistair Barr da Reuters informou que os analistas dos principais bancos envolvidos na introdução em bolsa , Morgan Stanley, Goldman Sachs e JP Morgan baixaram as  suas estimativas de ganhos e de outros resultados financeiros importantes relativamente ao  Facebook enquanto decorria a campanha de colocação em  bolsa de Facebook. Este não era uma situação habitual, antes pelo contrário, era bastante fora do normal, se não mesmo inédita (um gestor de um Hedge fund diz que estudou as entradas em bolsa nos últimos 20 anos e não encontrou nada de parecido.)


A baixa das estimativas feitas pelos analistas é geralmente considerada como uma informação significativamente negativa para as acções. E é muito em especial este o caso quando os analistas que cortaram nas suas estimativas seguem de muito perto uma empresa e, portanto, são particularmente vistos como tendo boas informações.


(Nos velhos tempos, antes da aplicação da Regulation Fair Disclosure, as empresas utilizavam este expediente para gerir as expectativas do mercado, pedindo a analistas de relevo para alterarem as suas estimativas. A Regulation Fair Disclosure baniu estas práticas).


Mas houve na verdade investidores que não foram informados quanto ao corte das expectativas sobre  Facebook. O facto de que alguns potenciais investidores tenham sido informados dos cortes referidos sobre os resultados financeiros esperados de Facebook  enquanto outros investidores não o foram parece constituir   um importante problema de “divulgação selectiva”. É inconcebível que um razoável investidor considere a redução repentina feita pelos analistas das empresas subscritoras como sendo imaterial para a sua decisão de investimento. Portanto é grave o que se terá passado, que segundo alguns ronda o que se chamaria inside trading, transacções feitas sob informação privilegiada.


Entretanto foi aplicada a cláusula dita greenshoe, ou seja, a disposição em que se   expressa num acordo de subscrição o direito dado   ao  emitente  de vender aos investidores mais acções do que as que foram inicialmente planeadas pelo emitente.  Esta disposição é normalmente realizada quando a procura se mostra mais elevada do que o esperado. Teoricamente permite um melhor controlo dos preços na presença de picos da procura, dizem-nos. No caso presente e de acordo com o Wall Street Journal  o director financeiro do Facebook terá sozinho decido  emitir cerca de 25% de acções a mais para a sua entrada em Bolsa. David Ebersman, tem mantido “um forte domínio ” em todas as decisões importantes no processo, “não consultando sequer os seus banqueiros como o fazem muitas sociedades”, assegurou este jornal. Ainda segundo a mesma fonte, Ebersman é o “principal confidente” do co-director de operações bancárias relacionadas com o campo das tecnologias do banco Morgan Stanley, Michael Grimes. O jornal diz que este  último tinha assegurado que a procura em acções Facebook era forte…


O titulo Facebook, cujo preço de introdução na  Bolsa tinha primeiramente sido fixado em  28 dólares,  foi depois reavaliado em 34 e depois ainda em 38 dólares. E, na véspera da cotação, o número de acções colocadas no mercado aumentou em 25%, colocação esta ajudada por um muito favorável “ruido” sustentado por Facebook e pelos seus banqueiros.


Fica aqui claramente por entender a descida imediata que se seguiu à cotação de 38 dólares fixada. O gráfico e o quadro acima dão-nos bem disso conta. Fracasso financeiro disso já ninguém tem dúvidas e a pergunta que se segue é se não será também um escândalo judicial.


Com efeito, a entrada em bolsa do Facebook a 18 de Maio é já um fracasso financeiro. Pela terceira vez em três dias, a acção de Facebook caiu em Wall Street (de 8.90%). Introduzida na sexta-feira, dia 18 de Maio,  em 38 dólares (30 euros) pelo consórcio bancário responsável pela colocação no mercado – operação que os banqueiros apelam IPO, oferta pública inicial-  com um forte apoio do Morgan Stanley, as acções do Facebook  abriram então a 42  dólares e fecharam  a uma cotação nessa sexta-feira levemente acima do preço da entrada em Bolsa..  Ao longo da maior parte do dia o título esteve acima dos 40 dólares, dando assim uma possibilidade de um ganho rápido   aos  operadores no mercado.  Com um forte apoio do Morgan Stanley, o título fechou a uma cotação nessa sexta-feira levemente acima do preço da entrada em Bolsa. Tendo em conta a quantidade de acções que tinham sido vendidas, Morgan Stanley não podia sustentar indefinidamente o preço das acções de Facebook  sem se expor , ele próprio, a grandes perdas. Em dois dias de transacções esta semana, com  os efeitos da batalha publicitária dissipados,  e com as notícias de que  as estimativas dos analistas em baixa a serem propagadas, as acções de  Facebook caíram fortemente. Depois,  a sua cotação começou a descer, perdeu 20% do seu valor inicial em três sessões da bolsa   e encerrou na terça-feira a cerca de 31 dólares, ficando-se na quarta-feira pelos 32 dólares. Ou seja, uma queda de 26,3%, quando comparado com o primeiro preço para os investidores.


Como se ilustra pelos números e gráfico acima, não demorou muito para que os mercados descobrissem com uma inocência desconcertante que Facebook estava provavelmente  muito sobre-avaliado , que o seu “modelo económico” estava ainda por definir, que o seu crescimento, julgado até aqui como tendo sido um crescimento desenfreado poderia a partir de agora  desacelerar, que a  sua estratégia nos telemóveis  (primeiro vector conexão em rede) era muito difusa e que a sua capacidade de gerar receitas de publicidade está longe de ser demonstrada. Mesmo admitindo que não se trata de sobre-avaliação e mais ainda sabendo que os principais subscritores eram instituições mais que rodadas neste tipo de operações não se compreende nesta hipótese que se enganassem então tão redondamente quanto ás espectativas dos mercados, se é que estas poderiam alguma vez justificar estes resultados.

 

(continua)  

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