DIÁRIO DE BORDO de 7 de Agosto de 2012

Pior ainda do que os diplomas duvidosos são os estudos de duvidosa base científica e de ainda mais duvidosa utilidade social. A conclusão de que os portugueses manifestam «cada vez mais emoções negativas e inibem o sorriso devido ao contexto de crise», conclusão de um «investigador do sorriso», através da análise de mais de meio milhão de fotografias, é um contributo científico tão útil como a edição encadernada do Pantagruel a quem esteja perdido no deserto.

Ficamos a saber que existe um Laboratório de Expressão Facial da Emoção, com um director, um professor que está desde 2003 a analisar fotografias publicadas nos jornais diários portugueses, um projecto que faz parte de uma iniciativa mundial que termina em 2013. Muito útil. Quase a completar-se a década que limita temporalmente a investigação, descobre-se que «as mulheres continuam a sorrir mais do que os homens, apesar do registo descendente acentuadíssimo no primeiro semestre deste ano», ao passo que «os homens apresentam mais o sorriso fechado a partir dos 60 anos». As crianças, por seu lado, «são as que continuam a apresentar mais frequentemente o sorriso largo, um padrão que se mantém desde 2003». No universo das fotografias analisadas, explicou o investigador, verificou-se ainda que «a expressão facial de emoções negativas é mais frequente e intensa do que a de emoções positivas», comprovando-se que, no caso português, «a situação económico-social potenciou a inibição da expressão». E assim, «os resultados são preocupantes pelas consequências na saúde e na interacção social», uma vez que «a felicidade está na cara das pessoas e o sorriso é um sinal que está a desaparecer a olhos vistos».

Estas conclusões têm como ponto de referência que época? Talvez 2003. Nesse ano, por esta altura, estávamos a contas com uma tremenda vaga de incêndios A recessão económica estava em marcha. Governava José Manuel Durão Barroso, com Paulo Portas na Defesa Nacional, Nuno Morais Sarmento como ministro da Presidência, Luís Filipe Pereira na Saúde, etc. Que motivos havia para sorrir? Só se fosse das anedotas que, tal como agora, a má-governação provocava.

Recuando um pouco mais no tempo, no dia 7 de Agosto de 1794 realizava-se em Lisboa o último auto-de-fé. Tomando o sorriso dos condenados como referência (haviam de gostar de saber-se os últimos), a que conclusões chegaria o Laboratório de Expressão Facial da Emoção?

O estarmos a pagar estudos tão indispensáveis para o avanço das ciências do comportamento também não contribui muito para nos abrir o sorriso.

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