POESIA E TRABALHO – por Carlos Loures

Escrevi há tempos um texto onde afirmava que «no princípio era o trabalho». A mão parece ter andado sempre à frente do cérebro ou, pelo menos, a par. Ou talvez não se possa dizer assim – a formulação correcta será: foi a mão que abriu caminho ao cérebro, fabricando utensílios que iam aumentando a capacidade da mão. O homem primitivo não separava a actividade do objectivo que a exigia – acção, actividade, objectivo formavam um todo, uma unidade indissolúvel. A abstracção vem depois, com o advento da palavra. A palavra vem substituir a magia, vem ela própria transformar-se em magia. Ao falar, todo os homens eram magos. A palavra veio marcar a passagem do animal ao ser humano. .Com a palavra nasceu a poesia, como referi num texto em que falei de George Thomson e do seu estudo sobre a origem e a evolução da poesia. Após a publicação desse artigo, foi-me chamada a atenção para a antiguidade do texto de Thomson. As deduções que estabeleço não se baseiam nas últimas descobertas científicas, é um facto. Mas não é o estar em dia nessa informação que me preocupa. Há reflexões de Aristóteles que continuam a ser pertinentes. E ele não via a «National Geographic»…

A arte, em todas as suas formas, era uma actividade comum a todos e elevando todos os homens acima do mundo animal. Mesmo muito tempo depois da quebra da comunidade primitiva e da sua substituição por uma sociedade dividida em classes, a arte não perdeu seu carácter colectivo. Somente a verdadeira e autêntica arte consegue recriar a unidade entre o singular e o universal. Somente a arte consegue elevar o homem de um estado fragmentado a um estado de ser íntegro, total. A arte é uma realidade social. Um poeta, um músico, um pintor, são tão indispensáveis como um padeiro ou um carpinteiro. E aqui não estabeleço hierarquias de valores. O que é arte válida e o que é imitação da arte nunca são os contemporâneos a decidir. O exemplo recorrente de Pessoa eu só, mais ou menos duas décadas depois da sua morte, começou a ser considerado um grande escritor. E isso aconteceu porque houve homens como João Gaaspar Simões que se esforçaram por trazer à luz do dia, textos encerrados no célebre baú. Mas não nos desviemos do tema.

 Embora não tenha consciência disso, a sociedade necessita do artista e da arte É a arte, entendida nos seus múltiplos aspectos, que leva o homem a compreender a realidade, e mais , a suportá-la e, até a transformá-la, tornando-a mais humana. A arte é indispensável. Sem ela a humanidade fica amputada e confinada à sua animalidade. Sem arte não há humanidade. Poderá haver robôs ou produtos da engenharia genética.

Mas já não serão homens.

1 Comment

Leave a Reply