POESIA AO AMANHECER – 64 – por Manuel Simões

Pier Paolo Pasolini – Itália

(1922 – 1975)

A RESISTÊNCIA E A SUA LUZ

Assim cheguei aos dias da Resistência

sem nada saber dela senão o estilo:

foi estilo de luz, memorável consciência

de sol. Nunca mais pôde murchar,

nem sequer um instante, nem quando

a Europa tremeu na mais morta vigília.

Fugimos, com os trastes sobre um carro,

de Casarsa para uma aldeia perdida

entre canais e vinhas: e era pura luz.

Meu irmão partiu numa muda manhã

de Março, de comboio, clandestino,

a pistola num livro: e era pura luz.

Vivi muito sobre montes que alvejavam

quase paradisíacos no tétrico azul

da planície friulana: e era pura luz.

[…]

Aquela luz era esperança e justiça:

não sabia qual: a Justiça.

A luz é sempre igual a outra luz.

Depois variou: de luz passou a incerta alba,

uma alba que crescia, se alargava

sobre os campos friulanos e os canais.

Iluminava os agrícolas que lutavam.

A alba nascente foi assim uma luz

fora da eternidade do estilo…

Na história a justiça foi consciência

de uma humana divisão de riqueza

e a esperança adquiriu nova luz.

(de “La religione del mio tempo”, trad. de Manuel Simões)

Autor de filmes inesquecíveis como “Medea”, “Il Decameron”, “Racconti di Canterbury”, “Salò o le 120 giornate di Sodoma”, entre muitos outros, deixou-nos igualmente uma obra poética notável: “La meglio gioventù” (1954), “Le ceneri di Gramsci” (1957), “L’usignolo della Chiesa Cattolica” (1958), “La religione del mio tempo” (1961), “Poesia in forma di rosa” (1964), “Trasumanar e organizzar” (1971), “La nuova gioventù” (1975). Em português, dispomos da antologia “Pasolini, poeta” (Plátano,1978), apresentação e selecção de Manuel Simões; e “As Cinzas de Gramsci” (col. O Oiro do Dia, 1978), trad. de Egito Gonçalves.

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