Selecção, tradução e nota de leitura por Júlio Marques Mota
CONTRA O TRATADO SOBRE A ESTABILIDADE, A COORDENAÇÃO E A GOVERNAÇÃO
Jérôme Gleizes – Setembro de 2012
(continuação)
5 Um dilema socio-económico impossível
(artigo 1).
O TSCG tem como vocação ter sucesso com os critérios de défices orçamentais e de endividamento público mais restritos, critérios bem mais rigorosos, num contexto económico muito pior, o que o Tratado de Maastricht e de Amesterdão não tinha conseguido!
6 Um tratado unicamente sobre austeridade orçamental
O artigo 3 reduz os objectivos do artigo 1 praticamente ao equilíbrio orçamental :
“1. Para além das suas obrigações por força do direito da União Europeia e sem prejuízo das mesmas, as Partes Contratantes aplicam as regras que constam do presente número:
2. a) A situação orçamental das administrações públicas de uma Parte Contratante é equilibrada ou excedentária;
b) Considera-se que é respeitada a regra prevista na línea a) se o saldo estrutural anual das administrações públicas tiver atingido o objectivo de médio prazo específico desse país, tal como definido no Pacto de Estabilidade e Crescimento revisto, com um limite de défice de 0,5 do produto interno bruto a preços de mercado “
Existe contudo uma ligeira flexibilidade no caso em que o endividamento do país será fraco, sensivelmente inferior a 60 por cento expresso no artigo 3, nº 1, alínea d) :
Enquanto que o Tratado de Maastricht limitava o défice a 3% a TSCG requer que seja de 0,5%. A função do TSCG está em reduzir o impacto das políticas orçamentais (ver item 12) sem sequer abordar a concorrência fiscal entre os países. É um regresso a mais de um século atrás, para antes da Teoria geral do emprego, juro e moeda, de Keynes. Nas fases de grande depressão, Keynes mostrou que o Estado deve intervir para substituir a procura privada que baixou para parar com as expectativas de crise de auto-realizadoras. Isto já deixou de ser possível na Europa. Mesmo o liberal Reino Unido compreendeu que isso não era do seu interesse e recusa a TSCG. No entanto, há uma ligeira flexibilidade: no caso onde o endividamento do país for baixo (significativamente menos do que 60%), “o limite inferior do objectivo a médio prazo (…)”. “pode atingir um défice estrutural de, no máximo, 1,0% do PIB” (artigo 3. º, n. 1 d).
7 Um tratado de bases jurídicas pouco claras, pouco precisas
O artigo 3 introduz o conceito de saldo estrutural e de défice estrutural. Na alínea 3 precisa-se que :
Esta noção baseia-se sobre muito pouca evidência científica, mesmo se os modelos matemáticos utilizados são sofisticados. Ela é baseada sobre as tendências passadas e projectadas para o futuro. . Além disso, os modelos utilizados consideram muitas vezes que não há nenhum efeito keynesiano, ou seja, de que as despesas públicas não geram nenhum crescimento adicional a médio prazo porque as famílias antecipam um aumento de impostos futuros que vai aniquilar os efeitos iniciais do estímulo (a equivalência ricardiana). Além disso, não há nenhuma análise qualitativa das despesas como financiar as energias renováveis ou o nuclear. A projeção das tendências passadas significa que não há nenhuma análise crítica do conceito de crescimento. Assim, a conjuntura vai levar em conta da diferença do crescimento efectivo ao crescimento potencial de crescimento, considerado este como o “nível máximo” de produção que pode ser alcançado . Os métodos e os resultados diferem significativamente. Assim, antes da crise de 2007, o crescimento potencial da França foi estimado em 1,8% por ano pela OCDE, em 2,1 por cento pelo FMI, de 2,2% pela Comissão Europeia e de 2,4% pelo Tesouro francês. A estimativa retida para o crescimento do potencial, portanto, irá influenciar significativamente o cálculo final do défice estrutural.
Para ilustrar a imprecisão conceitual deste critério que se quer agora legalizar, a Direcção-geral do Tesouro escreveu num seu documento de trabalho de 2009: “o saldo estrutural tem duas grandes limitações : o saldo estrutural mede de modo imperfeito a parte conjuntural do saldo público porque assenta numa avaliação por natureza imperfeita da posição da economia no ciclo.” (…) Segunda limitação, o conceito de saldo estrutural limita-se a uma análise agregada que (…) não permite dar elementos suficientes aos decisores públicos, ao governo, para definirem (…) as margens de manobra para o relançamento dos diferentes subsectores das administrações públicas (Estado, diversas organizações do Governo Central, autarquias, fundos de segurança social).
8. Um controle não-democrático
As partes contratantes assegurarão uma convergência rápida para os seus objectivos intermédios respectivos. O calendário dessa convergência será proposto pela Comissão Europeia, tendo em conta os riscos que pesam sobre a sustentabilidade das finanças públicas de cada país. Os progressos realizados no sentido do objectivo de médio prazo e o respeito deste objectivo estão sujeitos a uma avaliação global, tendo por referência o saldo estrutural e uma análise das despesas, dedução feita das medidas discricionárias, em conformidade com o Pacto de Estabilidade e Crescimento revisto “(artigo 3 nº 1, alínea a).
A Comissão Europeia está investida de um poder muito importante. Ela é o juiz e o executor da decisão . É ela que determina o nível do défice conjuntural aceitável a partir dos seus modelos econométricos. Depois, é ela que executa as sanções. Normalmente, este poder é exercido pelo Parlamento e este é democraticamente eleito. Nunca, um executivo foi investido com tais poderes sem controlo.
Os Estados signatários do TSCG concordam em respeitar os pareceres da Comissão, salvo se uma maioria qualificada dos membros do Conselho Europeu se lhe opõe, mas a votação exclui a parte ” contratante interessada” (ou seja, o país acusado). (artigo 7) . Este artigo também marca uma ruptura, conhecida como a maioria inversa. Enquanto que anteriormente uma recomendação da Comissão para ser aprovada, deve ser explicitamente apoiada pelo Conselho, é a lógica inversa que passa agora a prevalecer . A nova regra significa que as sanções propostas pela Comissão não podem ser contestadas pelo Conselho, a menos que haja uma maioria qualificada contra as sanções propostas pela Comissão. Considera-se que toda e qualquer decisão da Comissão (agora competente e ao mesmo nível que o Conselho) é considerada que tem de ser adoptada. Em vez de reforçar os poderes do Parlamento, reforçamos os poderes da Comissão.
9 Regras automáticas sem controle político
Além dos aspectos não-democráticos do controle da regra, a sua aplicação será automática, o que nos leva a poder duvidar da sua eficácia. O Tratado de Maastricht já tinha mecanismos que se revelaram ineficazes. “Um mecanismo de correcção é accionado automaticamente se existem desvios significativos relativamente aos objectivos de médio prazo ou da trajectória do próprio ajustamento para permitir a sua aplicação. Este mecanismo inclui a obrigação da parte interessada de implementar medidas para corrigir estas discrepâncias durante um período específico “(artigo 3. º, n. º 1e).
Este mecanismo previsto no artigo 4 é muito brutal: “quando a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto de uma Parte Contratante exceder o valor de referência de 60% (…)”, essa Parte Contratante deve redu-la a uma taxa média de um vigésimo por ano como padrão de referência. »
O exemplo grego mostra-nos que, apesar de vários planos de austeridade e de uma eliminação parcial da dívida, a relação (dívida/PIB) continuou a aumentar porque o PIB baixou e muito e, em simultâneo, a carga da dívida aumentou com o aumento das taxas de juro. E como se isto ainda não chegasse , as sanções aplicáveis aos Estados são possíveis até 0,1% do PIB, o que dava para a França um encargo de 2 mil milhões de euros. (artigo 8, n. 2) Além disso, à vista da tabela 3, a sanção é aplicável desde a ratificação do Tratado, uma vez que todos os países, estão perante ratios superiores a 60%, e no caso francês o seu valor é de 23,5 mil milhões para a França.