SALAZAR E A I REPÚBLICA – 41 – por José Brandão

Em Julho, regressam as perseguições aos católicos, com um assalto à igreja dos Congregados e ao jornal O Debate.

Em Agosto, durante a greve dos ferroviários, explodem algumas bombas na estação do Rossio, há cenas de tiros no Entroncamento, continuando os descarrilamentos de comboios. Grevistas são colocados nos primeiros vagões das composições.

Os tempos eram de grandes confrontos entre os governos da República e as organizações dos trabalhadores. A imprensa sindical declarava-se em guerra aberta contra quase tudo e quase todos.

Por exemplo, em 21 de Julho de 1919, o jornal operário Avante publica o seguinte texto:

 «República ou Monarquia?

Anuncia o governo, aos quatro ventos, que vai tomar enérgicas medidas no sentido de manter a ordem pública. O chavão é velho. Conhecemo-lo desde os velhos tempos da monarquia em que éramos perseguidos juntamente com os republicanos históricos, sempre que qualquer governo da ominosa necessitava, para solidificar os seus alicerces, frágeis como os de todos os governos, de exercer represálias e de fazer perseguições metendo nas masmorras aqueles que se lhe afigurarem perigosos para a sua estabilidade nas cadeias governamentais.

Os governos da monarquia perseguiram, acoimando-os de agitadores, os propagandistas republicanos e com eles os militantes do movimento operário. Contra essas perseguições se insurgiram os precursores da república; e, não raras vezes, para nós, militantes operários, eles apelaram lembrando-nos os nossos direitos como trabalhadores.

Dos maiores vultos da república vieram para os operários os mais enérgicos incitamentos de revolta. Eles apregoavam entre nós o direito à greve; eles nos ensinavam, nos seus discursos e nos seus escritos, os processos de que nos havíamos de servir para vencermos a luta que devíamos travar com o patronato.

Fez-se o 5 de Outubro onde uma grande parte do povo trabalhador verteu sangue pela causa da república. E, de então para cá, os protestos dos paladinos da república, os seus discursos inflamados, as suas promessas, redundaram no que todos nós temos presenciado nestes nove anos de liberdade, de igualdade e de fraternidade.

Vem hoje o governo com a novidade de que vai tomar as providências necessárias para garantir a ordem pública. Novidade que ouvimos ontem ainda ao governo dezembrista, ao afonsista, ao pimentista e a todos os governos da república e da monarquia.

Somente cada vez ela nos deixa mais abismados do que nós supúnhamos que o sangue derramado na fundação de tantas repúblicas daria como resultado mudanças de táctica e de orientação da parte dos governos.

Não é assim. Bom será que o povo o tenha compreendido, e daqui por diante saiba cruzar os braços, senão quiser fazer coisa melhor, quando os políticos lhe baterem à porta a pedir-lhe a sua colaboração na salvação da liberdade, do direito e da justiça.

O governo de hoje, como os governos da monarquia, toma medidas de repressão contra os que lhe não forem afectos. E ai daqueles que não forem nas suas águas! Pior do que no regime reaccionário, serão espancados, a sabre, à cacetada, a cavalo-marinho. Tal é, entre nós, o sinal dos tempos que vão correndo.

O proletariado, que nunca se colocou ao lado de nenhum político, qualquer que seja a sua cor; a organização operária, cuja função é absolutamente alheia à política, cuja acção é unicamente económica, tem recebido dos governos da república a mais criminosa, a mais tremenda guerra, ao mesmo tempo que às classes patronais, monárquicas, conservadoras, reaccionárias são dispensadas todas as atenções.

Pedem os operários mais um pouco de salário para diminuir as dificuldades nas suas condições económicas de vida e esbarram com uma absoluta indiferença dos governantes; recomendam os reaccionários a repressão sobre os operários; eles curvam-se e executam as suas ordens.

Onde está a república por que se bateu o povo em 5 de Outubro, em 14 de Maio e em 5 de Dezembro? Onde está a liberdade pela qual o povo trabalhador se lançou em lutas heróicas contra a reacção? Onde está a igualdade apregoada nas vésperas de eleições e de revoluções pelos caudilhos da democracia?

Quem governa? Monarquia ou República.»

26 de Novembro de 1919. Arquivamento de processos de imprensa.

A Lei n.º 910 manda arquivar todos os processos de imprensa, desde 5 de Dezembro de 1917 até 31 de Dezembro de 1918, sobre os quais será feito perpétuo silêncio. Ou seja, deixa cair os processos instaurados durante o Governo de Sidónio Pais.

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