Da África galega
Na Galiza habituamo-nos a prescindir daquilo que é mais necessário quando nos falta durante muito tempo. Podemos não respirar e ir vivendo contra todas as leis da ciência, da experiência e da melancolia.
É habilidade adquirida na dureza da marcha, junto a de escutar as pedras e enxergar ao longe, de mão aberta na sobrancelha. Por isso quando no horizonte vemos os sinais que atravessam o azul e de ouvido na água sentimos ecos de cantares amigos
hei de inventar
um verso que vos faça justiça
abrimos os braços em arco como querendo apanhar um livro da estante superior, e lendo na página onde Mia Couto diz
por ora
basta-me o arco-íris
de todas as cores, espelho da Galiza, a África fala para nós e tinta saudades
em que vos sonho
basta-me saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
e por vivermos de mais, que dor é vida, e ausência é espinho que fere a carne ainda mais do que a traição
mas que permaneceis sem preço
porque sem valor de compra. Sem preço porque únicas. Sem preço porque desprezadas, silenciadas, ignoradas. E ainda assim, sem preço, porque nada mais valioso do que a liberdade.
Há companheiras boas e generosas do outro lado do azul que nos entendem e nos falam na rumorosa língua de arume harpado. Que sabem o que somos porque são como nós, calótipo fotográfico da mesma história, da mesma injustiça e da mesma ânsia de viver.
mensagem anterior: Galiza negra
Por se algum leitor ou leitora africana não compreende por que digo que a nossa língua [portuguesa] é “rumorosa” e “de arume harpado”, é por isto:
Hino galego, poema “Os pinhos” de Eduardo Pondal Abente (1835-1917):
Que dim os rumorosos
na costa verdecente
ao raio transparente
do plácido luar…?
Que dim as altas copas
de escuro arume harpado
co seu bem compassado
monótono fungar?
[…]
Os bons e generosos
a nossa voz entendem
e com arroubo atendem
o nosso rouco som.
[…]
Belo texto. Linda reflexão. Abraço!
Depois da Galiza negra, a África galega.
Assim ficamos na ânsia do que segue.
Talvez aquilo de “Proletários do mundo…” deveu, mesmo então, muito mais hoje, ser “Escravos do mundo…”
E por que mais hoje? Porque alguém, trás guerra em aparência ganha, decretou liberdade… afinal enganosa… Grave é ver-se filho de escravo; mais doloroso é sentir-se escravo filho de livre, que é o sentimento que dia e dia e dia e noite os “novos” desgovernantes nos incutem sem cuidados paliativos…
Exato, a ver por que temos de andar sempre invocando a diferença e não nos damos conta de que destacando as semelhanças nos fazemos mais humanos e melhor acompanhados. Obrigada pelas leituras.