POESIA AO AMANHECER – 145 – por Manuel Simões

poesiaamanhecer

FRANCISCO DE SÁ DE MIRANDA

( 1481 – 1568 )

“O SOL É GRANDE, CAEM CO’A CALMA AS AVES”

O sol é grande, caem co’a calma as aves,

do tempo em tal sazão, que sói ser fria;

esta água que d’alto cai acordar-m’-ia

do sono não, mas de cuidados graves.

 

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,

qual é tal coração qu’em vós confia?

Passam os tempos, vai dia trás dia,

incertos muito mais que ao vento as naves.

 

Eu vira já aqui sombras, vira flores,

vi tantas águas, vi tanta verdura,

as aves todas cantavam d’amores.

 

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,

também mudando-m’eu fiz doutras cores:

e tudo o mais renova, isto é sem cura!

Um dos mais belos sonetos da literatura portuguesa. Aqui se trata o tema da mudança irremediável, observando o sujeito as transições temporais e comparando-as consigo próprio. O autor é, sem dúvida, o escritor mais lido do séc. XVI, depois de Camões. A sua influência, sobretudo a partir deste soneto, chegou à poesia contemporânea: Jorge de Sena, Gastão Cruz e Ruy Belo, por exemplo.

Leave a Reply