CHAMARAM-LHE PORTUGAL – 25 – por José Brandão

Batalha de Toro

Não finda aqui a luta pela bandeira. Certo fidalgo castelhano, de apelido Souto Maior, acompanhado de outros, levava ufano a bandeira arrancada a Duarte de Almeida quando dá sobre ele oImagem2 escudeiro Gonçalo Pires, com mais alguns poucos portugueses. Trava-se encarniçada luta e a bandeira é gloriosamente recuperada pelos nossos.

D. Afonso V, vendo a batalha mal parada, quis lançar-se ao meio do inimigo, mais esperançado na morte do que na vitória, mas não lhe consentiram o desespero aqueles que o acompanharam. Partiram com ele a caminho de Toro, e como era já noite e receavam algum mau encontro, levaram-no para Castro Nunho.

Entretanto o príncipe D. João desbaratara as seis alas castelhanas que acometera. Vendo desordenada e em fuga a «batalha» de seu pai, tomou posição numa assomada ou teso, e dali, fazendo tocar amiúde as trombetas e atabales, e com fogos, dava sinal aos que andavam espalhados pelo campo para se unirem a ele, o que faziam não só os que da sua ala faltavam como também muitas das forças de el-rei.

Naquela posição se conservou o príncipe toda a noite, a muito pequena distância dos castelhanos; porém, estes, lembrando-se do estrago que D. João fizera nas seis alas castelhanas, e receosos de nova peleja no dia seguinte, foram-se retirando aos grupos a caminho da serra, sem que o cardeal de Castela e o duque de Alba pudessem impedir a debandada. De manhã, como se encontrasse só no campo e sem inimigos a combater, o príncipe retirou-se para Toro. […]

A «Excelente Senhora»

Rainha sem reino, casada e donzela, D. Joana foi a mais deplorável vítima de tantas ambições. Mal nascera, profanaram-lhe a inocência com epíteto infamante e desde logo andou aos baldões das lutas dos partidos, numa corte em que se calcavam escrúpulos e sentimentos de honra para saciar vícios e ambições. Sem o compreender, já era mártir.

Vindo residir em Portugal, não lhe faltaram os carinhos de D. Afonso V, que num documento de 1480 lhe chamava «muyto preçada e amada sobrinha»; mas el-rei não podia conter os ventos da desgraça, que batiam a princesa desde o berço.

Quando em 4 de Setembro de 1479 se firmou na vila das Alcáçovas o tratado de paz entre Castela e Portugal, ainda o espírito de vingança de Fernando e Isabel se exerceu contra a infeliz D. Joana, estipulando-se que dali em diante ela se não intitularia rainha, nem princesa, nem infanta, salvo se viesse a casar com o infante D. João de Castela, hipótese prevista no tratado.

Acordara-se em que D. Joana, logo que o infante D. João de Castela chegasse aos sete anos de idade, casasse com ele por palavras de futuro, e aos catorze casasse com ele por palavras de presente, e então haveria o título de princesa e outras garantias, e para tudo isto iria D. Joana pôr-se em terçaria, em Moura, em poder da infanta D. Beatriz, ou recolher-se a um de cinco mosteiros designados, onde estaria o ano de aprovação ou noviciado, findo o qual escolheria fazer profissão e ser freira professa no hábito que recebesse ou ir em terçaria para Moura, como iam também os infantes D. Isabel de Castela e D. Afonso de Portugal, filho de D. João II.

D. Joana preferiu a tudo a paz e o esquecimento do claustro. A 6 de Outubro deixou o título de rainha e passou a chamar-se simplesmente D. Joana. Foi então que começaram a dar-lhe o epíteto de Excelente Senhora. Trocou as sedas e brocados que vestia pelo hábito pardo de Santa Clara; cortaram-lhe os cabelos depois de lhe tirarem a coroa de rainha, e ao entrar para o Mosteiro de Santa Clara de Santarém não lhe deixaram as criadas que tinha nem coisa que lembrasse o estado anterior.

Como em Santarém logo se ateasse uma epidemia de peste, passou a Excelente Senhora ao Convento de Santa Clara de Évora, e como também nesta cidade apareceu a epidemia, levaram-na para o Convento de Santa Clara de Coimbra, em 1480. Neste ano, a 15 de Novembro, professou ali, por não querer pôr-se em terçaria, como fora ajustado.

Em 1482, D. João II permitiu-lhe que vivesse fora da clausura, deu-lhe casa e estado de rainha, e assim viveu até à morte. Houve até o projecto de se casar com Francisco Febo, rei de Navarra. Parece que em 1482, quando foi para a corte, já não estava em Santa Clara de Coimbra, mas em Santa Clara de Santarém. Faleceu em Lisboa, no Palácio da Alcáçova, em 1530.

Morte de D. Afonso V — A família real

Depois da profissão religiosa da Excelente Senhora, el-rei andava cada vez mais concentrado e pensativo, aborrecido de todos os negócios. No Estio de 1481 foi a Beja, onde estavam o príncipe D. João e sua mulher, D. Leonor. Ali teve com o filho práticas secretas, em que D. Afonso V determinou reunir cortes em Estremoz no fim do ano e deixar inteiramente a D. João o governo do reino; ele retirar-se-ia, em hábitos honestos de leigo e sem obrigações de religião, ao Mosteiro de Varatojo, que fundara junto de Torres Vedras.

No princípio de Agosto foi a Sintra e ali contraiu febre de que faleceu (28 de Agosto de 1481).

D. Afonso V foi homem de boa estatura e bem proporcionado, de trato lhano e afável, a ponto de sacrificar algumas vezes a gravidade da realeza. Assim se explica que, assediado pelas ambições dos nobres, se mostrasse fraco perante eles.» *

* Fortunato de Almeida, História de Portugal, Vol. III, pp. 63-71, 124-130, 132-134.

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