EDITORIAL – TIRANOS E DEMOCRATAS

 

Imagem2O conceito de tirania foi amplamente estudado por Aristóteles e Platão, bem como por Maquiavel e todos sabemos que uma tirania está nos antípodas de uma democracia. Porém, a aplicação de um e de outro termo a uma dada realidade depende do ângulo de abordagem, da perspectiva e do lugar da escala social de que é feita a classificação. Hugo Chávez foi um tirano? Passos Coelho é um democrata?

Há expressões cujo conteúdo a realidade esvazia. Só no plano demagógico mais baixo se pode usar o conceito de «interesses do povo português» (ou de qualquer outro povo), pois como se dizia numa anedota por alturas da Revolução de Abril , os habitantes da Quinta da Marinha também eram povo.

A tirania «bolivariana» oprime, reduz a liberdade de movimentos a uma classe possidente habituada a não ser incomodada e a exercer aquilo a que chama livre iniciativa sem o controlo governamental. A «nossa democracia» governa de acordo com os interesses de uma oligarquia onde as grandes famílias que vêm dos dois séculos anteriores se misturam com recém-chegados (arrivistas) provindos da classe política. Essa «democracia representativa» procura anexar o apoio de uma classe média alta e com esta criar, por alastramento do conceito de «interesse nacional», identificar os seus objectivos com esse conceito. Porque, no fundo, tudo se resume a isso – aos interesses que estão por detrás dos conceitos.

Na América Latina, desde as independências surgem líderes carismáticos que encontram a sua base social de apoio nas camadas pobres da população. E logo a burguesia, a classe média alta, lhes coloca o carimbo de «tiranos». Hugo Chávez teve esse apoio nas camadas pobres de uma nação rica em recursos naturais e onde a exploração que o modelo capitalista permite, andava à solta. Hugo Chávez pôs rédeas à exploração e criou mecanismos de protecção aos mais desfavorecidos. É considerado um tirano. Na Europa, em Portugal, para não irmos mais longe, um governo eleito democraticamente, para pagar uma dívida contraída por um segmento social diminuto – banqueiros, políticos corruptos, alguns ex-ministros, um caldo social cozinhado de interesses espúrios, viola a Constituição, reduz salários e pensões, provoca um aumento do desemprego como há muito não se via, cria uma «Contribuição Extraordinária de Solidariedade” que afecta «pensões, subvenções e outras pecuniárias vitalícias de idêntica natureza»…

Pergunta-se, solidariedade com quem?  Com quem roubou? Com quem especulou e ganhou fortunas de um dia para o outro, com quem, de um dia para o outro, enriqueceu com base nas grandes obras – auto-estradas, pontes, estádios de futebol … Hugo Chávez foi um tirano? Sim – ao põr um açaimo aos mastins vorazes das classes possidentes do seu país, terá sido um tirano. Passos Coelho e o seu grupo de funâmbulos fabricados em série nas jotas dos partidos do bloco central, nem sequer merece esse nome. É um mandarete de uma tirania sem rosto. Dentro de uns anos, ninguém saberá quem foi. Chávez ficará na história do seu país. Para que não haja tiranos como Chávez é preciso que não haja democratas como Passos Coelho.

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