GREGÓRIO DE MATOS
( 1633 – 1696 )
AGRADECIMENTO DE UNS DOCES A SUA FREIRA
Senhora minha, se de tais clausuras
tantos doces mandais a uma formiga,
que esperais vós agora que eu vos diga
se não forem muchíssimas doçuras?
Eu esperei de Amor outras venturas,
mas ei-lo vai, tudo o que é dar obriga,
ou já ceia de amor, ou já uma figa,
da vossa mão são tudo ambrósias puras.
O vosso doce a todos diz: comei-me,
de cheiroso, perfeito e asseado;
Eu por gosto lhe dar comi e fartei-me.
Em este se acabando irá recado,
e se vos parecer glutão, sofrei-me
enquanto vos não peço outro bocado.
É vasta a obra poética do que, pela veia satírica e obscena, era chamado “Boca do Inferno”. Os amores freiráticos são tema frequente dos cancioneiros barrocos, como neste caso em que o soneto joga com processos criadores de ambiguidade, com a carga erótica e o sentido duplo do verso final, dualidade já anunciada pelo primeiro verso da segunda quadra.
“Muchíssimas” (v.4) é um castelhanismo, fenómeno frequente na obra destes poetas que escreviam nas duas línguas.