Após a leitura de mais um texto de Katherine Mansfield, Psychology, teremos a sétima e última parte de The Garden Party, na tradução de João Machado.
O GARDEN- PARTY – VII
Era demasiado tarde. Já estava em frente à casa. Tinha que ser aquela. Havia um agrupamento de pessoas à porta. Ao pé da cancela, uma mulher muito velha com uma muleta estava sentada numa cadeira, a observar. Tinha os pés poisados num jornal. As vozes interromperam-se quando Laura se aproximou. O grupo desfez-se. Era como se a esperassem, como se soubessem que ela vinha.
Laura estava terrivelmente nervosa. Atirando a fita de veludo por cima do ombro, perguntou a uma mulher que parecia estar ali à espera: ― É a casa da Senhora Scott? ―e a mulher, com um sorriso esquisito, respondeu: ― É sim, minha menina.
Oh, se pudesse estar longe dali! Disse para si própria, ― Deus me ajude, ― enquanto atravessava o pequeno quintal e batia á porta. Estar longe daqueles olhares fixos, ou escondida por qualquer coisa, nem que fosse um daqueles xales que as mulheres usavam. Deixo o cesto e vou-me embora, decidiu consigo própria. ― Nem vou esperar que o despejem.
Mas nesse instante a porta abriu-se. Uma mulher baixinha apareceu no escuro.
Laura perguntou, ― É a Senhora Scott? ― Ficou horrorizada quando a mulher respondeu, ― Entre faz favor, menina ― e a fizeram entrar no corredor.
― Não, ― disse Laura, ― não quero entrar. Só quero deixar este cesto. A minha mãe enviou…
A mulher baixinha no corredor escuro parecia não a ter ouvido. ― Venha por aqui, por favor, menina, ― disse com uma voz servil, e Laura seguiu-a.
Foi ter a uma cozinhamiserável, pequena e baixa, iluminada por uma lâmpada enegrecida. Uma mulher estava sentada ao pé da lareira.
― Em, ― disse a criatura que a tinha acompanhado. ―Em! É uma senhora. ― Virou-se para Laura. Disse vincadamente, ― Sou irmã dela, menina. Não lhe leva a mal, pois não?
― Mas claro que não! disse Laura. ―Por favor, não a incomode. Eu – eu só queria deixar…
Mas a mulher sentada à lareira virou-se nesse mesmo instante. A cara dela, inchada, vermelha, com os olhos dilatados, os lábios intumescidos, tinha um ar medonho. Parecia que não se tinha apercebido da presença de Laura. O que se passava? Que fazia aquela estranha na cozinha com um cesto? A que propósito? E o rosto triste franziu-se novamente.
― Está tudo bem, minha querida, ― disse a outra. ― Eu agradeço à senhora.
E começou novamente, ― A menina desculpa-a, com certeza, ― e o rosto dela, também muito inchado, esboçou um sorriso servil.
Laura só queria sair, ir embora. Voltou ao corredor. A porta abriu. Foi ter direitinha ao quarto onde jazia o morto.
― Gostava de o ver, não é verdade? ― disse a irmã de Em, e passou por Laura para ir até à cama. ― Não tenha medo, minha jovem, ― e agora a voz dela era amigável e trocista, e com afecto puxou para baixo amanta― ele parece uma estampa. Não tem nada de especial. Venha cá, querida.
Laura aproximou-se.
Jazia ali um homem novo, mergulhado no sono – dormindo tão profundamente, que parecia muito longe delas as duas. Tão longínquo, tão pacífico. Estava a sonhar, de certeza. Não o acordem mais. A cabeça dele mergulhava na almofada, os olhos estavam fechados; nada viam sob as pálpebras fechadas. Tinha-se entregue ao seu sonho. Que lhe importavam garden-parties, cestos ou atilhos de vestidos? Estava longe de tudo. Ele era maravilhoso, bonito. Enquanto eles riam e a orquestra tocava, esta maravilha tinha descido até á travessa. Feliz… feliz… Está tudo bem, dizia o rosto adormecido. Está tudo como deve ser. Estou contente.
De qualquer maneira era uma obrigação chorar, e ela não podia deixar o quarto sem lhe dizer alguma coisa. Laura soluçou alto, como uma criança.
― Perdoe o meu chapéu, disse.
Desta vez não esperou pela irmã de Em. Procurou a saída, atravessou o quintal, passou por aquelas pessoas à porta. Na esquina da travessa deu com Laurie.
Ele veio ao encontro dela. ― És tu, Laura?
― Sim.
― A mãe estava a ficar nervosa. Correu tudo bem?
― Mais ou menos. Oh, Laurie! ―Agarrou-lhe no braço, e abraçou-se a ele.
― Estás a chorar, não me digas? ― perguntou o irmão.
Laura acenou com a cabeça. Estava mesmo.
Laurie pôs o braço à roda dos ombros dela. ― Não chores, ― disse com num tom terno e quente. ― Foi terrível?
― Não, ― Laura soluçou. ―Foi maravilhoso. Mas Laurie…― Parou e olhou para o irmão. ― A vida não é, ― gaguejou ― a vida não é… ― E não foi capaz de se explicar. Não tinha importância. Ele percebia.
― É, não é, querida? ― disseLaurie.